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Tem empresa grande lucrando com o seu DNA para buscar antepassados

Mônica Matsumoto

23/08/2020 04h00

pikisuperstar/ Freepik

A maior base de dados de DNA foi recentemente comprada pelo fundo de private equity Blackstone por US$ 4,7 bilhões (mais de R$ 26 bilhões). A empresa Ancestry.com possui a mais extensa biblioteca de DNA dos Estados Unidos, com dados de mais de 18 milhões de pessoas. A empresa tem serviços focados no consumo de massa e vende testes de DNA a preço acessível à população.

Lembro quando morava em Boston que havia anúncios na televisão e Youtube sobre fazer esse teste fácil de DNA pelo correio para saber dos antepassados. No retorno, a pessoa recebe a informação de "origens" do DNA.

Essa busca por raízes é muito forte e o teste é um produto fácil de vender. O cliente recebe um relatório completo com informações como:

  • "Seu DNA tem 50% de DNA irlandês, 20% italiano, 5% nativo americano e outros" ou
  • "Seu DNA tem 65% judeu Ashkenazi, 20% islandês, 15% alemão"

Com a informação do seu DNA, ainda é possível descobrir primos distantes e outros braços da família. O banco de dados ainda conta com árvores genealógicas, e o usuário pode investigar suas conexões com o passado. 

Essa não é a única empresa no mercado americano. A 23andMe é uma das pioneiras e líderes de testes. Os kits de coleta de DNA são semelhantes: chegam pelo correio e a forma de amostragem do DNA é feita por saliva ou por esfregaço (swab) na bochecha. O que varia bastante entre uma empresa e outra é a forma de analisar o material, já que a quantidade de dados e qualidade da informação associada (como árvores genealógicas e local de origem) depende do banco de dados de DNA. 

Com esse pretexto inicial de obter informações de ancestralidade, os dados de DNA começaram a ser explorados de outras formas. Logo no início, empresas como a 23andMe começaram a enviar no relatório algumas informações de saúde. Por exemplo, se a paciente tinha risco aumentado de câncer de mama, já que algumas mutações (BRCA1 e BRCA2) estão associadas a formas mais agressivas de câncer. Para surpresa do cliente, além do teste genealógico, ele poderia receber a notícia de risco aumentado de câncer ou alguma outra alteração. Lembro de algumas discussões sobre ética, se os testes de DNA apontam para uma mutação, não seria antiético não reportar ao cliente? E quem fez o teste, gostaria de ter recebido essa notícia?

Os testes de DNA de consumo evoluíram e agora oferecem diversos adicionais de saúde, dados de risco aumentado de câncer, doença cardíaca e uma miríade de outras doenças e síndromes. 

Resolução de crimes e FBI

A GEDmatch.com é um site aberto para colocar dados "crus" de DNA. Os fundadores pensaram em facilitar a busca de parentes e montar árvore genealógica, mas foram surpreendidos quando a plataforma foi usada para desvendar um caso policial frio há décadas.

O site não faz os testes, mas permite que as pessoas coloquem seus testes de DNA e outros exames também, e tem algoritmos sofisticados de "match". Hoje, essa base de DNA ajuda a acessar mais de 60% dos americanos com origens da Europa, não por conter todas essas pessoas no banco de dados, mas a parentalidade permite encontrar as raízes e conexões das outras pessoas. Informações de primos e filhos fornecem pistas das relações de família e, assim, conseguimos alcançar indivíduos fora da base. 

Nos Estados Unidos, todas as empresas de teste de DNA de consumo deixam suas bases disponíveis para o FBI. Ou seja, esses dados estão à disposição para resolver crimes também e ajudar em investigações policiais.

Você está dando muito mais do que imagina

Se o DNA pode ser usado de tantas formas, justamente porque tem informações indeléveis suas e da sua história, por que damos essas informações a essas empresas? Sim, nas entrelinhas há cessão dos dados a estes bancos! 

Os testes são financeiramente acessíveis, pois ao buscar dados sobre sua história, você deixa muitas outras informações disponíveis. O detalhe é que toda a informação só é construída com os DNAs coletados e com a forma como eles são analisados. 

Uma vez que essas empresas de teste de DNA são compradas, esse asset dos dados de DNA são passados para outros donos e podem ser explorados de outras formas. Como exemplo, se houvesse uma característica genética recém-descoberta de uma doença, esse dado de DNA daria à indústria a informação de distribuição da doença, também informação para busca de novos alvos para terapia gênica e fornece subsídios para avanços da medicina de precisão. 

Existe um aspecto bastante salutar: a diversidade de informação populacional nessas bases que pode ser usada para descobertas na saúde. Mas também pode ter desdobramentos que não foram imaginados quando a pessoa buscou entender melhor sua ancestralidade.

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Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.


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