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Está só ou sente solidão na quarentena? A resposta pode indicar uma doença

Mônica Matsumoto

09/07/2020 04h00

Pexels

Antes mesmo do isolamento social, já se falava na solidão como uma nova epidemia global. Estudos estimam que um terço da população mundial seja afetada, e que uma a cada doze pessoas estejam experimentando estados mais crônicos desta condição. 

Afinal, o que é solidão? Neurocientistas distinguem o "estar só" da "solidão". Estar só é um efeito do estilo de vida moderno, especialmente ocidental. Em pouco menos de um século, as famílias se tornaram mais nucleares, menores e indivíduos começaram a se mudar constantemente por causa do trabalho. Nos Estados Unidos, uma a cada quatro pessoas mora sozinha, morar só tornou-se mais comum. A solidão tem a ver com a percepção de isolamento, e a pessoa não precisa estar só, pode haver solidão mesmo em grupos ou multidão.

O sentimento de estar só pode ser até benéfico, pois leva a pessoa a buscar companhia. A solidão, pelo contrário, é identificada pela angústia, se torna mais grave quando o sentimento intensifica o afastamento de contato social, aumentando o sentimento de inadequação do indivíduo. Mais que um desconforto, a solidão pode ser considerada uma doença.

O ser humano é programado para viver em grupos, e existe uma angústia quando está longe de seu grupo, sozinho, ou convivendo com um grupo de pessoas desconhecidas. Antigamente, esses desconhecidos poderiam até matar o indivíduo estranho ao grupo. Hoje, felizmente, leis proíbem isso e vivemos em outra configuração social. Esse sentimento desencadeia uma reação de fuga ou luta, com estado de hiper vigilância, que torna as pessoas sozinhas alertas, ansiosas e em estresse.

Tempos de isolamento social pelo coronavírus

O momento de quarentena que vivemos aproxima-se muito da condição de solidão. O isolamento social torna as pessoas reclusas, sem contato social, com aumento da ansiedade e tristeza. A grande diferença é que o isolamento da quarentena é temporário! Lembrando que solidão crônica é sobre o indivíduo que aumenta o estresse ao pensar em aproximação social e se isola cada vez mais. Vamos ver alguns estudos sobre esse tipo de solitude.

A quarentena levou as pessoas ao afastamento de suas redes de apoio, relações familiares e de trabalho, sem contar com outros grupos como de práticas esportivas ou o grupo da cervejinha. O ser humano sem contato social acaba ficando mais propenso ao sentimento de solidão. E mesmo com a reabertura, ainda passaremos um bom tempo em distância "segura" uns dos outros para evitar a propagação do coronavírus. Assim, esse isolamento será prolongado ainda.

Solidão não faz bem para a saúde. Em estudo de meta análise com mais de 300 mil pessoas, a pesquisadora Holt-Lunstad validou a evidência de mais de cem estudos no tema. A quantidade e qualidade das relações sociais impactam não apenas a saúde mental, mas também na longevidade das pessoas. É um fator de risco independente para morbidade e mortalidade. Os cientistas concluíram que o impacto da solidão na saúde é equivalente ao do cigarro. Outro estudo revelou que a chance de ter um evento cardiovascular aumenta com a solidão e isolamento social.

A pílula para a solidão

Já que os efeitos estressores da solidão são deletérios para a saúde, como fazer para reverter ou mitigar a solidão?

Um dos grupos que estudam o tema está na Universidade de Chicago, liderado por John Cacioppo (falecido em 2018) e sua esposa Stephanie. Em um pequeno estudo, os cientistas identificaram um potencial composto para tratar a solidão. Recentemente, esse remédio foi aprovado pelo FDA como primeiro medicamento para depressão pós-parto. Trata-se de um neuroesteróide produzido pelo cérebro, a alopregnanolona, e que está desbalanceado em indivíduos em isolamento social. O estudo mostrou redução dos sintomas relacionados ao estresse do isolamento. O grupo de Cacioppo ampliou esse estudo, que está em fase clínica, e vê o efeito deste composto sobre a percepção do isolamento social.

Por outro lado, há grandes críticas da medicalização da vida, em que pílulas resolvem sintomas e doenças. Afinal, o problema da epidemia da solidão está intrincado com as mudanças sociais e de trabalho. 

Na direção contrária à medicalização, outros estudos de solidão indicaram que a forma crônica melhorava com aumento de relacionamento social, o que seria óbvio a não ser que se trata de pessoas com aversão a contato social.

O que os cientistas perceberam, entretanto, foi que quando essas pessoas cronicamente afetadas tinham um propósito maior do que seu autoisolamento e introspecção, elas conseguiam interagir com outras pessoas e ter as benesses de fazer parte de um grupo social. Esse propósito maior poderia ser por exemplo a preservação do meio ambiente, ou engajamento político, ou até mesmo o trabalho. 

Em tempos de pandemia, como sair do isolamento social, se sentir conectado e ao mesmo tempo não sair de casa? O tempo é de repensar várias relações, inclusive da família. Mas talvez um caminho esteja nesse propósito maior.

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Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

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Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.


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