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"Pega aquela saída e vai": como será a conversa entre os carros autônomos

Shridhar Jayanthi

16/01/2020 04h00

Unsplash

Se as projeções de engenheiros e futuristas estiverem corretas, logo, logo veículos autônomos, dirigidos por bots, dominarão nossas ruas e estradas. Sensores rápidos, inteligência artificial, internet de alta velocidade no celular e processadores extremamente rápidos estão convergindo em tecnologias que permitem carros dirigindo sozinho entre os vários pontos da cidade. Um dos aspectos emergentes nesse mundo novo será a forma como veículos colaborarão uns com os outros na obtenção de sistemas de tráfego mais seguros e mais eficientes.

O esqueleto de um sistema de colaboração entre veículos já existe entre motoristas hoje em dia. Um excelente exemplo é a plataforma Waze, um app de rotas com localização GPS extremamente popular – provavelmente você utiliza. O Waze permite que passageiros e motoristas em veículos compartilhem informações como presença de radares, veículos acidentados, policiais ou buracos no asfalto com outros motoristas. Esse tipo de colaboração, porém, é um sistema ainda de comunicação entre pessoas. Num mundo com motoristas robóticos, essa colaboração irá acontecer no background entre os veículos autônomos, sem intervenção humana.

A plataforma de mapas do Google já apresenta um pouco dessa automação. O Google captura a informação de GPS em dispositivos com o app para calcular o tráfego em rodovias. Essa informação é utilizada no cálculo da duração de trajetos. O sistema é um primeiro passo na cooperação entre veículos. Os dados são espalhados automaticamente entre os usuários do serviço. Mas nesse sistema, o consumo da informação é feita por humanos ainda. É fácil vislumbrar, porém, que num futuro próximo, veículos autônomos escolham uma rota baseados nesse tipo de informação.

O tipo de informação compartilhada pode ser bem mais amplo, como sugerido nesse artigo da revista IEEE Potentials . No artigo, Samuel Stone defende a distribuição de informações relacionadas às condições do asfalto para aumentar a segurança de carros. Os veículos autônomos serão equipados com sensores capazes de, entre outras coisas, detectarem a presença de buracos no asfalto. Todavia, a detecção irá ocorrer na iminência do buraco uma vez que os sensores têm um alcance limitado.

O curto tempo disponível para responder à presença do buraco pode limitar o conforto na solução encontrada pelo veículo. A solução sugerida por Stone é utilizar um sistema em que o primeiro veículo a detectar um buraco divulgue a informação para os outros veículos na região. Como resultado, os outros veículos terão mais tempo para criar rotas alternativas ou reduzir a velocidade quando lidando com o tal do buraco.

Uma ideia semelhante foi investigada por um grupo do MIT. O sistema, batizado Carcel, é uma arquitetura de computação em nuvem (cloud computing). No Carcel, cada veículo transmite dados obtidos por sensores com uma nuvem. Essa distribuição de informação traz duas vantagens. A capacidade de processamento individual em cada veículo deixa de ser um gargalo uma vez que todos os veículos formam um grande sistema de processamento paralelo. Além disso, o compartilhamento de dados expande a área de cobertura dos sensores veiculares, da mesma forma que o sistema de compartilhamento de informações sobre buracos em estradas.

O uso de plataformas de nuvem apresenta algumas vulnerabilidades. Sistemas de nuvens apresentam um grande nível de centralização de informação, o que pode ser ruim para uma infraestrutura crítica como é o tráfego urbano. Uma opção possível é o uso de novos paradigmas de computação distribuída, como o uso de plataformas de neblina (fog computing) ou o uso de computação de borda (edge computing). Esses sistemas buscam um meio-termo entre a centralização de informação de plataformas de nuvens e a falta de cooperação de agentes individuais trocando apenas dados.

Sistemas edge são sistemas em que os computadores próximos dos carros atuam em cooperação com os veículos. Por exemplo, semáforos ou postes elétricos podem ter computadores responsáveis pelo processamento e compartilhamento de informações com os carros em uma vizinhança. Sistemas fog são sistemas em que várias nuvens independentes e geograficamente distribuídas gerenciam os agentes em uma região.

Nessa arquitetura, alguns computadores locais em um bairro ou em um eixo viário importante coordenariam vários semáforos, postes e sinalizadores inteligentes capazes de se comunicar com os veículos na região. Os computadores de um bairro, por sua vez, coordenariam os dados com os computadores de outros bairros para formar uma nuvem urbana. Esse sistema hierárquico, com uma nuvem urbana coordenada em uma neblina geograficamente distribuída pode permitir uma coordenação em vários níveis com uma atuação focada e resiliente.

Desde os primórdios da navegação, seja pedindo informação para desconhecidos nas estradas ou portos, seja colocando uma árvore em um buraco para deixá-lo mais visível, seja utilizando bandeiras em veleiros que indicam a direção dos ventos, o compartilhamento de informações foi sempre essencial para o deslocamento humano. Chegou a hora de ensinarmos aos robôs a fazer o mesmo.

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Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.


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