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Robô-peixe usa "sangue" artificial para evitar uso de baterias pesadas

Shridhar Jayanthi

04/07/2019 07h18

Pesquisadores da Cornell e da Universidade da Pensilvânia usaram solução criativa para resolver o problema das baterias convencionais para um peixe-robô: o desenvolvimento de uma espécie de "sangue" robótico que é, ao mesmo tempo, bateria e fluido hidráulico

Um dos grandes desafios da engenharia mecatrônica é desenhar o sistema energético de robôs autônomos. Robôs normalmente gastam quantidades enormes de energia para mover seus braços mecânicos e, em um robô autônomo, essa energia precisa ser guardada em algum lugar. A solução tradicional, utilizando baterias convencionais, exige um espaço dedicado e um peso extra.

Peixe-robô com "sangue"

Uma colaboração entre pesquisadores da Cornell e da Universidade da Pensilvânia resultou em uma solução bastante criativa para resolver esse problema: o desenvolvimento de uma espécie de "sangue" robótico que é, ao mesmo tempo, bateria e fluido hidráulico. Neste trabalho, os pesquisadores desenvolveram um peixe robótico que usa sistema hidráulico para locomoção. O fluido do sistema é também o cátodo da bateria. Essa integração de funções economiza espaço e peso.

Pilha de Daniell, também chamada de célula eletroquímica. Nela, elétrons circulam no circuito externo do eletrodo vermelho paro o eletrodo cinza com resultado de oxidação no ânodo (tanque contendo o eletrodo vermelho) e redução no cátodo (tanque contendo eletrodo cinza). O equilíbrio iônico é estabelecido através da ponte de íons entre os dois tanques

Baterias nada mais são que sistemas eletroquímicos formados pela combinação de dois compostos: um ânodo e um cátodo.  Ao serem combinados por meio de uma membrana porosa, por exemplo, o ânodo e o cátodo têm propensão natural para circular elétrons. O ânodo é o composto que tem uma tendência natural a se oxidar e fornecer elétrons, e o cátodo é o composto que tem uma tendência natural a se reduzir e receber elétrons.

As baterias de zinco ou lítio, mais comuns no cotidiano, têm cátions e ânions sólidos. E por um motivo simples: é muito mais fácil desenhar um objeto robusto quando o contato é entre dois sólidos. Mas as baterias de fluido estão aí pra provar que não é impossível fazer uma bateria que utilize ânodos ou cátodos em estado líquido.

Bateria líquida. O ânodo indicado em azul e o cátodo indicado em vermelho trocam íons através de uma membrana (no meio da imagem) que exerce a função de "ponte de íons". Note que as reações da bateria ocorrem na célula eletroquímica. Bombas hidráulicas podem ser usadas para gerenciar a quantidade e o fluxo de íons na célula

Nas últimas décadas, o desenvolvimento de baterias de fluido esteve voltado a aplicações de armazenamento de energia obtida em usinas renováveis, como no caso de estações solares ou eólicas. Baterias dessa natureza costumam ser projetadas para armazenamento da ordem de megawatts-hora. Para ter uma noção de escala, uma bateria de iPhone tem cerca de 10 watts-hora. Essa diferença de capacidade está atrelada a uma diferença de volume: baterias fluidas costumam ocupar centenas a milhares de litros de fluidos e costumam operar usando infraestrutura de tanques e contêineres.

Contêiner com uma bateria de fluido

Por utilizarem ânodos e cátodos fluidos, baterias fluidas apresentam algumas eficiências. Por exemplo, é possível controlar a intensidade das reações de oxidação e redução através do gerenciamento de líquidos. Grosseiramente falando, é possível colocar mais cátodo e ânodo na célula eletrolítica, onde ocorrem as reações, quando há circulação elevada de elétrons, durante uso de eletricidade ou durante o carregamento da bateria. Isso pode reduzir os volumes na célula eletrolítica quando a bateria está sendo utilizada estritamente para armazenamento no longo prazo, reduzindo assim perdas por reações parasíticas.

O que os projetistas do peixinho robótico fizeram foi achar uma nova aplicação pra baterias líquidas: armazenamento de energia em fluido hidráulico. Um número grande de robôs utiliza sistemas hidráulicos para implementar transmissão de energia mecânica. Por que não utilizar o fluido hidráulico para armazenar energia também? Dessa ideia surgiu o "sangue" sintético.

A bateria fluida utilizada é híbrida: o cátodo é uma solução aquosa de tri-iodeto ionizado, mas o ânodo é feito de zinco sólido. O peixe tem duas bombas que mantém o tri-iodeto circulando dentro de atuadores hidráulicos. As bombas também direcionam o fluido de acordo com a necessidade motora do peixe. Para agitar a cauda, por exemplo, as bombas transferem o fluido para gerar contração de um lado e expansão do outro lado da cauda. Durante essa circulação, os 200 mililitros de solução de tri-iodeto vão interagindo com o zinco, gerando energia que alimenta as bombas hidráulicas.

A analogia entre o "sangue" sintético e o sangue de mamíferos pode parecer um pouco exagerada. Afinal de contas, esse sangue não carrega nutrientes como o sangue animal. Mas a analogia não é tão distante assim; afinal, o oxigênio e o gás carbônico transportados pelo sangue são, no final das contas, portadores de elétrons como os íons da bateria! Além disso, o sangue pode agir como fluido hidráulico. Aranhas saltadoras controlam a pressão local de seu "sangue" para saltar. Em homens e mulheres, há um outro exemplo de atuação hidráulica: o acúmulo de sangue é que causa alterações no pênis e no clítoris durante a ereção.

O peixe construído não é lá muito rápido: a velocidade máxima reportada no artigo é de cerca 1,5 comprimentos do seu próprio corpo (no caso, 40 cm) por minuto. A título de comparação, um peixinho dourado é capaz de atingir cerca de 4,5 comprimentos de seu corpo por segundo, e Michael Phelps é capaz de atingir um comprimento de seu corpo por segundo (no caso, sua altura é de 1,93 m), nadando borboleta. Mas esse desenvolvimento aponta para um futuro com robôs mais leves e menores. E mais biomiméticos.

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Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.


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