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Imunoterapia: nosso próprio corpo será "vacina" contra o câncer?

Mônica Matsumoto

10/01/2019 04h00

Por: Dinler Amaral Antunes


Imagem de microscopia eletrônica, colorida digitalmente, mostrando linfócitos T (em azul) atacando uma célula tumoral (em amarelo). Modificado de OncologyNurseAdvisory.

O prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2018 foi concedido conjuntamente aos pesquisadores James Allison (EUA) e Tasuku Honjo (Japão), por pesquisas que levaram ao desenvolvimento de uma forma inovadora e promissora de combate ao câncer: a imunoterapia. As pesquisadoras brasileiras Renata Collazo e Tamara Laskowski participam da equipe de Allison e tiveram sua contribuição reconhecida através do Prêmio Embaixada do Brasil de Ciência, Tecnologia e Inovação. Em poucas palavras, a imunoterapia se refere ao uso do próprio sistema imunológico do paciente para encontrar e eliminar as células tumorais.

O sistema imunológico é um dos sistemas mais complexos e fascinantes no nosso organismo. Ele é responsável por identificar e eliminar agentes estranhos, como vírus e bactérias (patógenos). Mas a tarefa é um pouco mais complicada. Por exemplo, nossa saúde também depende da rica e diversa comunidade de vírus e bactérias que compõem a nossa microbiota intestinal.

Uma das maiores revoluções da medicina foi justamente o desenvolvimento de um método para "treinar" o sistema imunológico para reconhecer alvos de maior interesse. Por meio da vacinação, nós podemos preparar nossas defesas contra determinado patógeno. Durante muitos anos pesquisadores se perguntaram se o sistema imunológico também reconhecia e eliminava células tumorais, e se algo semelhante ao processo de vacinação poderia ser feito contra o câncer. Perguntas que começaram a ser respondidas ao longo das últimas décadas, levando ao desenvolvimento das imunoterapias.

É preciso esclarecer que existem diversos tipos de imunoterapia. Estudos preliminares mostraram resultados surpreendentes, com total eliminação dos tumores, incluindo metástases, e permitindo inclusive a geração de uma memória contra o ressurgimento do tumor (como no efeito das vacinas). Estas descobertas geraram uma enorme empolgação na comunidade científica, levando a uma explosão de ensaios clínicos e a aprovação de medicamentos que já estão disponíveis comercialmente em alguns países (mais de 30 medicamentos aprovados nos EUA).

Embora os resultados sejam "milagrosos" para alguns pacientes, a verdade é que por enquanto apenas cerca de 30% dos pacientes pode se beneficiar da imunoterapia contra o câncer. Na verdade, falar "no câncer" como sendo uma só doença também é algo que dificulta a nossa compreensão dos desafios do tratamento: cada tipo de câncer é uma doença diferente, e a eficácia da imunoterapia foi demonstrada apenas para uma pequena parcela dos tumores conhecidos.

Além da diversidade dos tumores, precisamos considerar a diversidade dos pacientes. Cada indivíduo tem um sistema imunológico distinto, respondendo de maneira diferenciada ao tratamento. Isso torna quase impossível predizer o resultado de um determinado tratamento imunoterápico.

No centro de várias imunoterapias em desenvolvimento estão os linfócitos T, um tipo de células brancas do sangue que tem a capacidade de identificar células infectadas ou doentes. A abordagem desenvolvida pelos ganhadores do prêmio Nobel levou ao primeiro imunoterápico aprovado nos EUA para tratamento de melanoma. Esta terapia envolve retirar os "freios" dos linfócitos T. Com carta branca para atacar a qualquer suspeita, os linfócitos T se tornam muito mais eficientes em eliminar células tumorais.

O benefício em um tumor agressivo como o melanoma é mais evidente, visto que existe uma verdadeira corrida pela sobrevivência do paciente. Mas as consequências negativas podem superar os benefícios em muitos casos. O controle do sistema imunológico existe justamente para evitar reações exageradas ou inespecíficas, que podem ser até letais aos pacientes.

Outras abordagens mais específicas já foram aprovadas para uso nos EUA, como as chamadas células CAR-T. Em síntese, são linfócitos T que passaram por um processo de engenharia molecular para se tornar especializados em reconhecer apenas os alvos tumorais. Em função da diversidade dos tumores e da variabilidade genética dos pacientes, este procedimento é bem mais caro e precisa ser customizado para o paciente. Esta é outra limitação das imunoterapias. O custo ainda é exorbitante e impede que esta seja a primeira intervenção utilizada (até R$ 582 mil por ano para uma das medicações aprovadas no Brasil).

Alguns resultados promissores foram relatados em tratamentos combinando imunoterapia e quimioterapia. No entanto, a quimioterapia é inespecífica e também danifica as células do sistema imunológico, limitando o potencial benefício da imunoterapia.

Apesar dos desafios, nós estamos fazendo progresso em busca de vacinas contra os diferentes tipos de câncer. Não no sentido original (profilaxia), mas no sentido de tratamento e prevenção contra o retorno do tumor. Nós estamos vivendo um período de rápida evolução das tecnologias utilizadas em biologia molecular e de aumento exponencial no poder de processamento de ferramentas computacionais. Hoje é possível recolher uma amostra de tumor e desenvolver um tratamento personalizado para este paciente.

Ainda vai levar alguns anos para que estas novas tecnologias sejam aprimoradas e para que o custo seja reduzido a ponto de viabilizar sua utilização em larga escala, mas sem dúvida estamos caminhando a passos largos nesta direção. Dados atualizados sobre o progresso nesta área devem ser anunciados em breve no relatório ASCO Clinical Cancer Advances 2019.

Novas estratégias para o desenvolvimento de imunoterapias personalizadas contra diferentes tipos de câncer. A identificação de alvos tumorais envolve técnicas de biologia molecular, proteômica e bioinformática. Modificado de Lizée et. al, 2013.

Sobre o autor: Dinler Amaral Antunes é Bacharel em Biomedicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), possui Mestrado e Doutorado pelo PPGBM/UFRGS. Atualmente, realiza pós-doutorado na Rice University (Texas/EUA), onde pesquisa o uso de métodos de bioinformática estrutural na seleção de alvos tumorais para o desenvolvimento de imunoterapias personalizadas.

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Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

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