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Como flutuações quânticas explicam a origem das galáxias

Mônica Matsumoto

13/09/2018 04h00

Por: Guilherme Leite Pimentel

Filhos de uma Flutuação Quântica – como a teoria que explica a grandeza do universo também explica de onde surgiram as galáxias

Fonte: World science festival.

Num post anterior, mostramos como a descoberta da radiação cósmica de fundo em microondas demonstrou que o universo era mais denso e quente no passado do que agora, o que é considerada a mais importante evidência para a teoria do Big Bang. De acordo com a teoria do Big Bang, o universo está em expansão desde o seu início, e a radiação detectada por Arno Penzias e Robert Wilson foi emitida quando o universo era relativamente jovem – meio milhão de anos -, comparado à idade atual de pouco menos de 14 bilhões de anos.

Apesar de ser um triunfo da teoria do Big Bang, a radiação cósmica de fundo levantou um quebra-cabeças que só recebeu uma resolução satisfatória nos anos 80 – se o universo era tão jovem quando a radiação cósmica de fundo foi emitida, como pode a temperatura desta radiação ser a mesma em todas as direções em que apontamos nossos telescópios?

Apesar de noções de distância e tempo não fazerem sentido no Big Bang em si, logo após o Big Bang podemos estudar a evolução do universo usando equações precisas – desenvolvidas por Friedmann, Lemaître, Robertson e Walker – baseadas na teoria da Relatividade Geral de Einstein. Usando estas equações, pode-se concluir que apesar da teoria do Big Bang prever a existência da radiação cósmica de fundo, esperava-se que a temperatura desta radiação deveria variar consideravelmente ao escanear o céu com um telescópio. Na prática, a diferença de temperatura entre o ponto mais quente e o mais frio do céu é de uma parte em cem mil! Ou seja, a máxima temperatura da radiação cósmica de fundo é de cerca de -270.00001 graus, enquanto a temperatura mínima, de cerca de -269.99999 graus! Como explicar um universo tão homogêneo, sem entrar em contradições com os sucessos da teoria do Big Bang?

A solução encontrada para este quebra-cabeça foi proposta no início dos anos 80 por Alan Guth, atualmente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA. Guth propôs que depois do Big Bang ocorreu um período em que o universo expande de forma extremamente veloz. Este período de "inflação" resolve o enigma da homogeneidade do universo fazendo com que o universo observável tenha, de fato, surgido de uma pequena região. Além disso, a proposta de Guth explica outras características do nosso universo que, apesar de óbvias aos nossos olhos, são estranhas do ponto de vista das equações de Einstein. Em particular, explica por que o universo é plano, e não no formato de uma bola ou de uma sela de cavalo. Qualquer curvatura primordial desaparecia do ponto de vista da porção do Universo que observamos, devido a essa expansão acelerada. Logo após a proposta de Guth, vários cientistas refinaram o modelo inicial do universo inflacionário, e a ideia foi rapidamente levada a sério pela comunidade científica. Curiosamente, o universo inflacionário de Guth é descrito por equações muito semelhantes às da teoria do universo estacionário de Bondi, Hoyle e Gold. De uma certa forma, esta teoria – falsificada pela descoberta da radiação cósmica de fundo – têm relevância para explicar o nosso universo, mas foi originalmente formulada para resolver o problema errado. Mas a grande surpresa da proposta de um universo inflacionário ainda estava por vir.

Apesar deste período de inflação homogeneizar o universo, é inevitável que a taxa de expansão seja um pouco diferente em pontos diferentes. Esta é uma conseqüência das leis do universo serem quânticas, e não determinísticas. Ao invés de esticar o universo e deixá-lo perfeitamente plano, essas pequenas variações na taxa de expansão acabavam por deixar o universo com pequenos picos e vales. É como se tentássemos esticar com uma prensa um pedaço de papel amassado – pequenos amassados no produto final seriam inevitáveis. As equações da mecânica quântica e da Relatividade Geral, aplicadas ao modelo inflacionário, geraram uma previsão para a distribuição dessas falhas no universo primordial. A história do período em que estas contas foram feitas foi descrita de forma eloquente em livros de Guth e Alexander Vilenkin. Incrivelmente, elas explicam as diferenças de temperatura na radiação cósmica de fundo. Mais incrível ainda, após o universo esfriar, as regiões mais quentes do universo, por terem mais matéria, acabaram aglutinando cada vez mais matéria por atração gravitacional, e finalmente o universo se torna extremamente não-homogêneo – galáxias e estrelas começam a se formar. Somos todos filhos de uma flutuação quântica!

As previsões do modelo inflacionário foram testadas com sucesso por experimentos conduzidos desde a virada do milênio, em particular por experimentos em satélites, WMAP nos EUA e Planck na Europa. No entanto, vários enigmas quanto à natureza da inflação ainda não foram resolvidos. Atualmente, cientistas estão procurando mais evidências e dicas de o que exatamente ocorreu durante o período inflacionário, qual sua causa, e quais os ingredientes que permitiram esta rápida expansão do universo. Em particular, um grande esforço experimental existe para detectar padrões na radiação cósmica de fundo que somente são gerados por ondas gravitacionais emitidas durante a inflação. Na analogia da folha de papel amassada, seria como encontrar regiões amassadas com pequenos redemoinhos em volta do ponto amassado.

O experimento que lidera essa busca é o BICEP, um telescópio localizado no polo sul que procura em uma pequena região do céu por evidências destas ondas gravitacionais primordiais. Nos próximos vinte anos, diversos experimentos, como o Euclid (um censo da distribuição de galáxias no universo), Simons observatory (telescópio de última geração em micro ondas), EDGES, LOFAR (experimentos que procuram emissões de átomos de hidrogênio, quando o universo ainda não tinha galáxias e estrelas), LISA (detector de ondas gravitacionais como o LIGO, mas utilizando satélites), etc. pretendem, entre outros objetivos, encontrar mais evidências para o universo inflacionário, incluindo talvez a possibilidade de descobrir novas partículas que só podem ser produzidas quando o universo é muito jovem e quente.

Ainda há muito trabalho pela frente para entendermos de fato o que aconteceu na origem do universo, e o período inflacionário parece explicar muitas propriedades inusitadas do nosso universo. O bônus inusitado é explicar que, pelo universo ser grande, e pela natureza ser intrinsicamente incerta, pequenas falhas no processo de esticar o universo acabam gerando as sementes que produziram galáxias, estrelas, e finalmente vida inteligente. Somos filhos de uma flutuação quântica.

 Sobre o autor: Guilherme Leite Pimentel é pesquisador no instituto de física da Universidade de Amsterdã na Holanda. Tem graduação em engenharia eletrônica e mestrado em física pelo ITA. Fez doutorado em física na Universidade de Princeton e trabalhou como pesquisador na Universidade de Cambridge. Sua pesquisa é focada em cosmologia e física de partículas; em particular, em propor novas teorias para explicar a expansão acelerada do universo.

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Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

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