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O impacto da impressão 3D na saúde

Mônica Matsumoto

31/05/2018 04h00

Por Fernando Guastaldi

A tecnologia de impressão tridimensional (3D) foi introduzida no início da década de 1980 pelo engenheiro norte-americano Charles W. Hull (3D Systems Corporation, MA, USA) e denominada Estereolitografia (Stereolithography, STA). Nas últimas décadas, essa tecnologia se aprimorou significativamente e, hoje em dia, a impressão 3D tem uma ampla gama de aplicações em pesquisa, engenharia, área médica, militar, construção, arquitetura, moda, educação, indústria de computadores e muitas outras.

A impressão 3D é um dos muitos processos de manufatura aditiva, enquanto a maioria dos processos tradicionais de fabricação é baseada em técnicas subtrativas: a partir de um objeto com uma forma inicial, o material é removido (desgaste, corte) até que a forma desejada seja obtida. A impressão 3D é baseada na adição de camadas sobre camadas de material para obter a forma ou o objeto desejado, usando

imagens tridimensionais para criar objetos a partir de materiais como cerâmicas, metais, plásticos e polímeros.

As impressoras 3D já vêm sendo usadas na área de saúde para criar implantes personalizados a partir de dados de ressonância magnética, tomografia computadorizada e ultrassonografia, utilizados na Odontologia e Medicina. Outras aplicações estão sendo desenvolvidas na obtenção de drogas e até na impressão de órgãos.

O Mercado Global da indústria de impressão 3D em 2015 foi de 308 milhões de dólares, e a expectativa para o ano de 2020 é que passe de 1 bilhão de dólares. Apesar disso, a impressão 3D ainda tem desafios que precisam ser superados, como o desenvolvimento de novos biomateriais.

ENGENHARIA DE TECIDOS E IMPRESSÃO 3D

Em 1993, o Dr. Joseph P. Vacanti (Massachusetts General Hospital e Harvard Medical School, Boston, MA, USA) e o Dr. Robert S. Langer (Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, MA, USA) divulgaram na revista Science, uma das mais prestigiadas do mundo acadêmico, um artigo em que divulgavam as novas tecnologias: "Uma nova área, Engenharia de Tecidos, aplica os princípios da biologia e engenharia ao desenvolvimento de substitutos funcionais para tecidos danificados".

Desde então, as pesquisas na Engenharia de Tecidos são amplamente realizadas nos campos da regeneração ou substituição de partes do corpo ou órgãos. A impressão 3D é usada como uma ferramenta para produzir um Scaffold (andaime), combinando células-tronco e fatores de crescimento, a partir do qual o tecido é gerado. Os avanços introduzidos pela impressão 3D melhoraram significativamente a capacidade de controlar as propriedades dos Scaffolds, que podem ser usados ​​em aplicações biomédicas para substituir ou regenerar os tecidos na sua forma e função.

No Brasil, há mais de 20 anos, o Dr. Jorge Vicente Lopes da Silva criou e coordenada o Núcleo de Tecnologias Tridimensionais (NT3D) do Centro de Tecnologia da Informação (CTI)Renato Archer (Campinas, SP). O NT3D é um centro de referência na utilização da impressão 3D para aplicações biomédicas, desenvolvendo pesquisas de ponta e colaboram com Universidades, Hospitais e cirurgiões.

ESTADO ATUAL DA IMPRESSÃO 3D

A tecnologia de impressão 3D tem chamado atenção no campo da Engenharia de Tecidos e na Ciência dos Biomateriais, devido ao seu grande potencial na fabricação de substitutos artificiais. A técnica é de fabricação rápida e economicamente viável, permitindo a personalização dos dispositivos fabricados para serem empregados como biomateriais.

Na área da saúde, a impressão 3D e os bioplásticos estão sendo usados na criação de modelos anatômicos para auxiliar cirurgiões no planejamento cirúrgico, na obtenção de guias cirúrgicos, no treinamento e educação médica, na produção de dispositivos médicos personalizados, tais como próteses do crânio ou bucomaxilofaciais. Usando esses dispositivos, os profissionais da saúde podem fornecer soluções mais precisas reduzindo os possíveis riscos aos pacientes.

AS PESQUISAS NO MASSACHUSETTS GENERAL HOSPITAL (BOSTON, MA, USA)

O tratamento de grandes defeitos ósseos bucomaxilofaciais é clinicamente desafiador devido à geometria complexa dos ossos e à disponibilidade limitada de enxertos ósseos removidos do próprio paciente. A capacidade de regenerar tecido ósseo que reproduza fielmente a anatomia do paciente revolucionaria as opções de tratamento. Avanços no campo da engenharia de tecido ósseo nas últimas décadas oferecem alternativas promissoras usando Scaffolds biocompatíveis e células-tronco coletadas do próprio paciente. Esta abordagem, combinada com os avanços recentes em tecnologias de impressão 3D pode, em breve, permitir a geração de grandes enxertos ósseos bioartificiais com arquitetura personalizada e específica do paciente.

As pesquisas lideradas pela Dra. Maria J. Troulis, Chefe do Department of Oral and Maxillofacial Surgery do Massachusetts General Hospital e Harvard School of Dental Medicine (Boston, MA, USA), concentram-se no tratamento de grandes defeitos ósseos da mandíbula. Desde o início do meu Pós- Doutorado em 2017 no MGH, sob a supervisão da Dra. Troulis, tenho trabalhado no grupo na condução de estudos pré-clínicos (em animais) empregando a impressão 3D de biomateriais associados a células-tronco coletadas da medula óssea. Há mais de 15 anos o grupo, que conta com a colaboração de um dos "pais" da Engenharia de Tecidos, Dr. Joseph P. Vacanti, tem divulgado os resultados promissores de seus estudos pré-clínicos e translacionais. O próximo passo será a condução de estudos clínicos em humanos para viabilizar essa modalidade de terapia aos pacientes.

 

Imagem ilustrativa: (a) Reconstrução 3D do crânio e da mandíbula após TC do paciente, demonstrando defeitos ósseos bilaterais na mandíbula; (b) Manipulação da imagem proveniente da TC para criação do scaffold personalizado; (c) Scaffold obtido após a impressão 3D; (d) Instalação do scaffold na mandíbula do paciente (Fonte)

O FUTURO DA IMPRESSÃO 3D

As expectativas em torno dessa tecnologia são frequentemente exageradas pela mídia, alguns setores do governo e até mesmo pesquisadores. A falta de regulamentação para a comercialização dos dispositivos médicos impressos também pode representar uma barreira inicial para o emprego em larga escala dessa tecnologia na saúde.

Grandes avanços da impressão 3D têm sido obtidos especialmente em decorrência da redução dos custos envolvidos e da maior acessibilidade à tecnologia. Muitas soluções médicas que empregam a impressão 3D já estão em fase experimental, em estudos pré-clínicos e clínicos, demonstrando resultados promissores.

Um futuro com tratamentos médicos altamente personalizados, contrários ao conceito "one size fits all" ("um tamanho serve para todos"), já estão sendo praticados. A medicina de precisão está em foco e tem se tornando cada vez mais relevante para a prática clínica baseada em evidências científicas.

Sobre o autor: Fernando Guastaldi é Cirurgião-Dentista e Pesquisador. Especialista, Mestre e Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (FOA-UNESP). Fez Doutorado Sanduíche na New York University College of Dentistry (New York, NY, USA). Atualmente é Pós-Doutorando na Faculdade de Odontologia de Araraquara (UNESP) e realiza seu Postdoctoral Research Fellow no Department of Oral and Maxillofacial Surgery, Massachusetts General Hospital (Boston, MA, USA). Fundador e CEO da Startup BioMatTech (São Carlos, SP) que trabalha e pesquisa a utilização da impressão 3D de biomateriais para a reconstrução de defeitos ósseos.

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Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.


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