Quais os riscos de perdermos a batalha contra o covid com a reabertura?
Em março o mundo todo parou devido ao covid. Em alguns países a doença já avançava sobre grande parte da população, em outros nem tanto. Alguns países implementaram medidas rígidas, com grande adesão da população, outros nem tanto. De uma maneira ou de outra, o ímpeto da doença arrefeceu, mas também vieram as conseqüências econômicas.
Nos países onde os números de casos chegaram a ser grandes, mas depois caíram com as medidas restritivas, ficou a sensação de dever cumprido e de que tudo valeu a pena. Em países onde a doença nem tinha chegado a se estabelecer, ficou uma certa sensação de perda de tempo. Em países onde as medidas mal surtiram efeito, como no Brasil, também. Nesse último mês de junho, seja lá qual tenha sido o resultado, a ordem é reabrir. Se por um lado já sabemos mais sobre a doença e podemos tomar decisões mais informadas, por outro já não há mais clima para reestabelecer quarentenas rígidas. E o número de casos, como se previa, infelizmente, vem aumentando.
A estratégia era clara: usar a quarentena para reduzir os casos a um número controlável, depois reabrir com cuidado e testar, rastrear e isolar. Caso o número de casos saia do controle, essa estratégia já não é mais possível. A Europa, de uma maneira geral, conseguiu fazer isso com sucesso. Os casos diminuíram durante a quarentena e não voltaram a subir com a reabertura. A Nova Zelândia chegou a eliminar a doença completamente. Porém, esses casos de sucesso deixaram uma falsa impressão de que esse é apenas o curso natural da doença, de que é só esperar que os números baixam por si só. Ledo engano.
Nos países onde se perdeu muito tempo discutindo os limites da atuação do Estado e a conveniência de se usar máscaras, os resultados foram bem menos impressionantes. Nos Estados Unidos os números chegaram a se estabilizar, mas não chegaram a diminuir. No Brasil nem isso. Agora com a abertura, os efeitos nos EUA foram imediatos, com novos focos da doença justamente nos estados onde a reabertura foi mais rápida. A diferença com a Europa é gritante.
O que mudou com a quarentena
Hoje já temos uma ideia melhor de como o covid se espalhou no começo, quando não havia testes suficientes para se estabelecer números confiáveis. Analisando o excesso de doenças respiratórias em março em comparação com a média anual, cientistas estimaram que o número de casos nos EUA no período provavelmente chegaram a quase 9 milhões, 80 vezes maiores do que os reportados. Isso sugere que o vírus é mais perigoso pela transmissão rápida do que pela taxa de mortalidade.
Em outro estudo preocupante, cientistas chineses estudaram pacientes assintomáticos de covid e descobriram que em muitos casos a imunidade à doença dura apenas alguns meses. Quando a resposta imunológica ao covid é fraca, e o paciente nem chega a desenvolver sintomas, os anticorpos gerados na resposta tendem a desaparecer depois que o paciente se recupera. 40% dos pacientes assintomáticos analisados testaram negativo para anticorpos dentro de dois meses. Esse resultado diminui a esperança de atingirmos a chamada imunidade de rebanho antes de desenvolver uma vacina.
Durante a reabertura o perfil dos pacientes de covid mudou, com uma porcentagem muito maior de jovens infectados. Talvez porque a população mais velha esteja mais protegida, talvez porque os mais jovens tenham sido os primeiros a frequentar restaurantes, ou simplesmente porque estamos testando melhor. Mas uma coisa é certa: a doença ainda está aqui, e está se espalhando rapidamente por uma população ainda desprotegida.
Esforços de reabertura
Na pressa de reabrir, botar o carro na frente dos bois pode prejudicar ainda mais a economia. Entrar num ciclo de abertura e fechamento pode ser catastrófico. Um restaurante que permanece fechado com certeza perde muito dinheiro, mas é muito pior recontratar funcionários, reabastecer os estoques, botar a casa em dia para funcionar por duas semanas e voltar a fechar.
A Universidade da Califórnia em San Diego, por exemplo, desenvolveu uma estratégia arrojada de reabertura. Vão reabrir completamente no novo ano letivo, depois do verão no hemisfério norte, trazendo 65 mil pessoas ao campus entre alunos e funcionários. Desenvolveram também laboratórios próprios e toda a infraestrutura necessária para testar toda essa gente mensalmente, ao custo de US$ 2 milhões ao mês. O plano é isolar os casos imediatamente e controlar os focos da doença. Porém, a nova realidade da Califórnia pode por tudo a perder. Com a doença saindo de controle, um novo fechamento pode ser inevitável.
Moral da história: não há milagres. Cada um deve fazer a sua parte e cooperar com as medidas para baixar os números. Depois disso, é preciso manter a vigilância e investir na infraestrutura para identificar novos focos. E é indispensável a participação de toda a sociedade. Controlar a doença é possível, e as histórias de sucesso estão aí para servirem de exemplo. Os maus exemplos, idem.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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