Teste para coronavírus esbarra na falta de material e em questões políticas
ATENÇÃO: Neste post iremos discutir alguns métodos de detecção, conceitos epidemiológicos e biologia molecular do vírus SARS-CoV-2, responsável pela doença covid-19. O nosso objetivo é ser informativo e estamos tomando o máximo de cuidado para dar informações corretas. Ainda assim, nesse tipo de situação dinâmica, a nossa recomendação é seguir as orientações dadas pelo Ministério da Saúde, pela Anvisa ou pelo seu médico. Lave as mãos, evite contato social desnecessário e colabore com as autoridades sanitárias.
Diagnóstico rápido e em ampla escala do coronavirus é um dos principais mecanismos de controle epidemiológico da doença. Devido ao altíssimo índice de contágio, detecção e isolamento de pessoas com a doença teria um impacto enorme na contenção da doença. Mas, alguns governos não têm sido capazes de ajustar a escala dos testes. Nesse post, eu vou explicar os testes de diagnósticos possíveis de serem usados e quais são os gargalos encontrados — alguns técnicos, outros infelizmente políticos.
O teste principal para diagnóstico utiliza um método chamado RT-PCR (reverse transcriptase polymerase chain reaction). Esse método serve para detectar a presença de sequências específicas de RNA em fragmentos presentes em uma amostra. O coronavírus é um retrovírus e seu material genético é inteiramente composto de RNA. Portanto, um RT-PCR buscando uma sequência específica ao SARS-CoV-2 é um método diagnóstico formidável para descobrir se uma pessoa está carregando o vírus.
Os gargalos técnicos são, de uma forma geral, os insumos e o equipamento. Vários dos reagentes para esse tipo de exame são específicos e a pressão de demanda está causando problemas nos fornecedores. O gargalo principal parece ser reagentes envolvidos na primeira fase do protocolo que transforma o DNA em RNA, a transcrição reversa.
Um outro gargalo está ligado ao tipo específico de protocolo. Mas nesse caso, o problema parece mais político que logístico. Explico. A chave do RT-PCR é a sequência-alvo (targets). A partir da sequência alvo, é possível desenhar fragmentos de DNA (primers) capazes de hibridizar com a sequência-alvo e gerar o teste de diagnóstico. O site da Organização Mundial da Saúde tem uma lista de protocolos sendo utilizados no mundo e se você tem um interesse mais profundo, eu recomendo consultar o site.
A título de referência, segue a tabela de exames sendo usados, para mostrar a variedade de alvos possíveis. O protocolo que tem sido usado no Brasil é o protocolo alemão, que é o protocolo indicado pela Organização Mundial da Saúde.
Ainda está cedo para saber qual exame é melhor ou pior e, provavelmente, nenhum teste será muito melhor, contanto que seja simples. Mas reinventar a roda e complicar, provavelmente por questões políticas, acaba tendo consequências graves. Um exemplo foi o desastre americano, onde decisões erradas e burocracia atrasaram o processo todo. O CDC, órgão americano mais ou menos equivalente à Anvisa no Brasil, insistiu no uso de um protocolo do tipo "painel" que testa múltiplos vírus ao mesmo tempo em vez de simplesmente usar o protocolo pronto da OMS.
A complexidade do teste causou problemas na aplicação, com muitos resultados errados. Essa complexidade também limitou bastante o desenvolvimento in loco dos testes, pois o governo americano não estava aprovando o uso de protocolos mais simples. Após três semanas de entraves e muita reclamação dos governos e laboratórios, o governo americano finalmente cedeu. Essas três semanas terão um impacto enorme no caso de uma doença desse porte.
Em contraste, fica o exemplo da Coreia do Sul. Precavidos diante do impacto do MERS em 2015, o governo sul-coreano aplicou o teste da OMS em larga escala, permitindo mais de 10.000 testes diagnósticos por dia. Esse tipo de aplicação permitiu ao governo melhor monitoramento da epidemia para distribuir melhor os recursos. O uso de testes também permitiu instruir pessoas infectadas a ficarem em casa.
A história da paciente 31 –que ignorou ordens médicas, seguiu com a vida normal e contaminou dezenas de pessoas– é uma daquelas exceções que demonstram a eficácia da regra. O impacto epidemiológico de um indivíduo na Coreia foi enorme exatamente porque o governo foi capaz de controlar razoavelmente bem os casos. Dito de outra forma, em um país como o Brasil, onde a capacidade de teste está limitada a menos de 2000 testes por dia, todo mundo pode ser o paciente 31 coreano.
O PCR não é a única forma de diagnóstico. Em casos mais avançados da doença, a infecção causa danos no pulmão e esse tipo de dano pode ser visto por métodos radiológicos, seja por raio-X ou por tomografia. No momento, a indicação principal é via tomografia. Médicos chineses chegaram a usar tomografia para diagnóstico de pacientes já internados, para compensar a falta de kits de RT-PCR. Já o raio-X parece não ser muito eficaz no diagnóstico. De qualquer forma, pacientes que apresentam problemas pulmonares radiologicamente visíveis estão num estágio já avançado da doença e, portanto, a utilidade epidemiológica desse método de detecção é limitada.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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