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Para onde o mundo vai

EUA liberam o primeiro ultrassom guiado por IA para o exame do coração

Mônica Matsumoto

20/02/2020 04h00

Primeiro equipamento de ecocardiograma transtorácico 2D guiado por inteligência artificial a ser aprovado pelo FDA (Caption Health)

As notícias de aplicações de inteligência artificial (IA) em saúde têm sido cada dia mais surpreendentes. Não apenas pelo potencial de uso, mas principalmente pela agilidade das agências reguladoras em colocar esses produtos no mercado!

No início deste mês, a agência reguladora americana, o FDA, liberou para o mercado o primeiro equipamento de ultrassonografia que guia por inteligência artificial o operador para ter imagens de qualidade diagnóstica. Esse aparelho é liberado exclusivamente para ecocardiografia transtorácica bidimensional, e a aprovação foi dada ao software Caption Guidance para sistemas de ultrassom da Teratech Corporation. Veja a nota do FDA.

Ativamente, o software dá orientação à pessoa que opera o equipamento onde ela deve posicionar o transdutor para obter a imagem desejada para avaliar o coração. Com o auxílio do software, o operador obtém imagens de alta qualidade, que permitem ao médico especialista em ecocardiografia fazer um diagnóstico do coração. 

O desafio do ultrassom

A ultrassonografia é a modalidade de imagem com maior flexibilidade de uso médico. Primeiramente, ela não emite radiação ionizante como o raio-X, o equipamento é de fácil transporte e também permite estudos funcionais pela grande quantidade de imagens por segundo. No coração, por exemplo, é possível avaliar o fluxo nos ventrículos, a perfusão no músculo cardíaco, a velocidade do sangue, todos estes parâmetros dinâmicos.

Entretanto, a aquisição destas imagens não é simples. Exige do operador um conhecimento avançado de anatomia, pois humanos apresentam variações da apresentação das estruturas. E, especialmente quando há alguma patologia, a investigação pode ser um pouco mais complexa. 

Além disso, posicionar o transdutor não é trivial. É uma tarefa bem técnica de acertar o local correto, ângulo de inclinação, ajustes no brilho da imagem, frequência do transdutor. Tudo para captar a imagem correta e aí sim fazer o diagnóstico. 

Chamamos o ultrassom de método operador-dependente, pois precisa de uma pessoa treinada e experiente para obter as imagens e avaliar o paciente. No Brasil, apenas médicos especialistas operam esses equipamentos. Nos EUA, as imagens são adquiridas por técnicos de imagem e são avaliadas pelo médico especialista. 

A vantagem deste software é que qualquer pessoa minimamente treinada a usar o software e o ultrassom seja capaz de realizar o ecocardiograma. E isso facilita o atendimento primário dos pacientes, pois qualquer profissional de saúde seria capaz de adquirir as imagens e enviá-las ao médico ecocardiografista.

Caminho rápido até o mercado

Para liberar esse equipamento no mercado, o FDA avaliou dois estudos submetidos no pedido. No primeiro estudo, 50 especialistas em ultrassom avaliaram pacientes com e sem esse software. Em ambos os casos, a qualidade das imagens obtidas eram semelhantes e de grande valor diagnóstico. No segundo estudo, oito operadores eram profissionais de saúde, porém sem experiência com ultrassonografia. Esses profissionais foram treinados a usar o software Caption Guidance e fizeram a aquisição das imagens de ecocardiografia. Logo após, essas imagens e vídeos foram avaliados por cardiologistas para aferir a qualidade diagnóstica. Como resultado, esse material se mostrou de qualidade diagnóstica.

O FDA tem sido bastante rápido em incorporar as novas tendências de IA no mercado. Especialmente para equipamentos de médio e baixo risco, sem equivalente no mercado. Nesses casos, existe o pedido por classificação De Novo do equipamento. E esse tem sido o caminho usado por máquinas de IA, sem precedentes no mercado de saúde.

O órgão se diz empenhado em garantir que cheguem ao mercado as novas tecnologias, mesmo no ritmo acelerado que estas vêm se desenvolvendo. Na próxima semana, haverá uma discussão interessante promovida pelo FDA sobre o desenrolar da inteligência artificial no mercado de radiologia. 

Desdobramentos

Sem ser operador-dependente, o fluxo de trabalho do ultrassom é mais rápido, e qualquer profissional de atendimento primário pode captar imagens e enviar ao especialista que não precisa estar presente. 

O que era considerada a grande barreira para o uso mais difundido do ultrassom, o fato de ser operador-dependente, parece ser transposto pelo uso de guia por inteligência artificial. É surpreendente essa aplicação e as barreiras que cairão para o atendimento ao paciente!

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.