Micróbios da Terra podem ter largado na frente na colonização do universo
No mês passado, um time de cientistas espanhóis e franceses publicaram uma descoberta curiosa. Encontraram um lugar na Terra onde não existe vida alguma: as piscinas naturais geotérmicas de Dallol, na Etiópia. Com o uso de técnicas modernas, hoje em dia conseguimos detectar micróbios até mesmo nos ambientes mais hostis, como o Mar Morto, vulcões ou o gelo antártico. Mas nas lindas piscinas de Dallol, os cientistas tentaram detectar DNA, cultivar microorganismos, realizaram análises químicas, citometria, microscopia eletrônica, espectroscopia e ainda assim não encontraram nada.
Porém, essa constatação não necessariamente aponta alguma fragilidade na vida terrestre, mas sim demonstra quanta hostilidade é necessária para impedir a proliferação de micróbios. As piscinas de Dallol têm temperaturas altas, são tão ácidas que o pH chega a ser negativo, e são saturadas de sais de magnésio que desnaturam qualquer matéria orgânica.
Microorganismos "extremófilos" possuem estratégias para lidar com cada um desses insultos, e são capazes de sobreviver nas piscinas mais periféricas de Dallol, que são um pouco mais amenas. Alguns desses organismos já provaram até serem capazes de sobreviver no espaço sideral, no exterior de nossas naves. Conseguiriam então colonizar novos planetas?
Microorganismos extremófilos desenvolveram estratégias muito interessantes para lidar com ambientes hostis. Geralmente conseguem sobreviver contanto que tenham acesso a algumas moléculas básicas, como fontes de carbono, nitrogênio e fósforo. Esses organismos aproveitam a energia de quaisquer processos químicos disponíveis, como a oxidação de metais. Possuem bombas eficientes que transportam íons para fora da célula para lidar com acidez e salinidade. Para lidar com altas temperaturas, que desestabilizam a estrutura das proteínas, possuem enzimas especializadas que ajudam as demais proteínas a manter a forma. Conseguem até mesmo lidar com doses altas de radiação. O Deinococcus radiodurans, por exemplo, possui mecanismos sofisticados para reparar danos ao seu DNA, e suporta radiação mil vezes mais alta que a dose fatal a seres humanos. Isso é essencial no espaço sideral, onde não há a proteção da atmosfera.
Certos micróbios já mostraram serem capazes de colonizar asteroides. Recentemente, cientistas verificaram que a bactéria Metallosphaera sedula, isolada de um vulcão na Itália, se reproduz sem problemas na superfície de um meteorito. Esse microorganismo extrai a energia química contida nos minerais da rocha se utilizando de compostos de enxofre para oxidar átomos de ferro, a convertendo na energia bioquímica que sustenta seu metabolismo. Além disso, o microorganismo se utiliza dos compostos de carbono presentes na rocha para gerar toda a gama de compostos orgânicos necessária para seus processos celulares.
Asteroides são muito abundantes através da galáxia, e suas composições químicas se assemelham às dos planetas. Há vários tipos de asteroides. Enquanto alguns são ricos em carbono e têm aspecto de carvão, outros são compostos majoritariamente por rochas à base de sílica, e outros ainda são formados por metais. Alguns contêm todos esses elementos, sendo formados pelo impacto de asteroides de tipos diferentes. A análise de cristais retirados de um meteorito caído na Terra mostrou que ele continha tanto água líquida quanto uma mistura de compostos orgânicos complexos, como hidrocarbonetos e aminoácidos.
Asteroides podem então ser veículos para espalhar a vida pelo universo. Essa ideia, chamada de panespermia, já é antiga, mas foi recentemente revisitada mais detalhadamente por cientistas da Harvard. Eles analisaram a possibilidade de que microorganismos terrestres tenham sido exportados para fora do sistema solar através de asteroides, e concluíram que esse cenário não só é possível como provável.
Não seria tarefa fácil para os microorganismos. Teriam de ser capturados por asteroides passando pela Terra a velocidades altíssimas e depois teriam que sobreviver no espaço. Porém, é uma tarefa possível, até porque há micróbios presentes até mesmo nas altas camadas da atmosfera, e devido ao seu pequeno tamanho, são capazes de resistir aos impactos causados pela passagem de um meteoro.
Os cientistas fizeram cálculos precisos para estimar que esses eventos levando nossos microorganismos para fora da Terra devem ter ocorrido pelo menos por volta de 10 vezes desde a formação do planeta. Asteroides podem ainda ter sua órbita alterada pelo campo gravitacional dos planetas, podendo lançar esses micróbios para fora do sistema solar.
Nosso sistema solar é até mais estável, mas o grande buraco negro no centro de nossa galáxia é capaz de acelerar corpos celestes a grandes velocidades, lançando vários deles a viagens sem rumo ao infinito. Nossa galáxia pode estar repleta de pequenas amostras de seres vivos rudimentares vagando entre as estrelas.
No final das contas, apesar de a humanidade moderna se orgulhar de sua capacidade tecnológica que permite aspirações de colonizar o cosmo, na realidade pode já ter sido batida nessa empreitada pelos micróbios terrestres. Até hoje, sempre se tomou cuidado de esterilizar as sondas que mandamos ao espaço, justamente para evitar que nossos micróbios contaminem mundos distantes, mas isso começa a ser visto como algo inevitável. De qualquer maneira, seja lá para onde formos, inevitavelmente levaremos conosco nossos micróbios. E se nos estabelecermos por lá, eles serão essenciais em transformar a paisagem e desenvolver um ambiente mais habitável.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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