Novo estudo aponta riscos para crianças que usam smartphones e tablets
O uso de smartphones e tablets por crianças tem sido ponto de dúvidas dos pais: deixo ou não meu filho usar a telinha? A partir de que idade? Por quanto tempo? E o conteúdo? São muitas dúvidas. E não há muitas respostas. Algumas evidências, entretanto, apontam para o cuidado a essa exposição.
A criança em fase de desenvolvimento está treinando e modulando as conexões do cérebro. Como os neurônios se conectam e quais estímulos são reforçados depende muito da interação da criança com o ambiente, a comunicação, o acolhimento emocional, entre outros fatores. A "fiação" ou estrutura do cérebro é formada principalmente nos primeiros anos de vida, e temos grande plasticidade ainda para fazer novas conexões ao longo da vida, mas ela vai se reduzindo com o tempo.
Um novo estudo, dos pesquisadores americanos John S. Hutton, Jonathan Dudley, Tzipi Horowitz-Kraus e outros, publicado na revista JAMA Pediatrics analisou o impacto da telinha em crianças de três a cinco anos de idade. O estudo foi feito com 47 indivíduos.
O estudo associou a métrica "ScreenQ", baseada no que a associação americana de pediatria (AAP) recomenda quanto a exposição das crianças a telas como smartphone, TV e tablets, com exames específicos de imagem de ressonância magnética, chamado de DTI (Diffusion Tensor Imaging), que evidencia a morfologia das fibras da substância branca do cérebro.
O score ScreenQ baseia-se nas recomendações da AAP que, por sua vez, se baseiam nos melhores estudos recentes e já validados. De acordo com Perri Klass, uma pontuação zero equivale à total aderência a essas diretrizes – nenhuma tela no quarto, a criança não começou a assistir TV ou usar aplicativos até os 18 meses, nenhuma exposição a conteúdo violento, tempo total de tela para crianças em idade pré-escolar de uma hora por dia de programação de alta qualidade, tutela de visualização com os pais, entre outros.
Uma pontuação 26 significa a não adesão total às recomendações – a criança começou a usar a tela com menos de um ano de idade, tem telas no quarto, assiste a conteúdos violentos, muito mais tempo total de exposição, sem tutela na visualização, entre outros.
O exame de imagem DTI-MRI, por sua vez, mostra a orientação dos tensores de difusão das moléculas de água. Melhor explicando, o DTI mostra a organização das fibras da substância branca do cérebro, como elas estão fundamentalmente conectadas. A partir destas imagens estruturais, os cientistas podem calcular a integridade da microestrutura do cérebro e a mielinização do trato da substância branca.
A conclusão dos cientistas foi que há associação do desenvolvimento estrutural das fibras com a exposição à tela de smartphone e similares, ou seja, as fibras mostraram-se com morfologia distintas. Percebeu-se uma alteração principal em três regiões que estão associadas às habilidades linguísticas, habilidades de ler e escrever da criança em idade pré-escolar, e região associada a funções executivas do cérebro, com maior pontuação do ScoreQ. Essas conclusões dão evidências científicas do impacto na formação neuronal, e corrobora com as diretrizes atuais.
As diretrizes principais da Associação Americana de Pediatras para o uso de mídias digitais são:
- Faça seu plano familiar de uso da mídia digital, cada família tem seu estilo e valores;
- Trate a mídia digital como trataria qualquer outro ambiente na vida de seu filho;
- Estabeleça limites e incentive o tempo de brincadeiras;
- Tente tutelar o tempo da uso de equipamentos com tela para que a criança não esteja sozinha;
- Seja um bom modelo para seus filhos no uso de mídias digitais;
- Reconheça o valor da comunicação face a face. O aprendizado funciona melhor com comunicação de duas vias;
- Limite a mídia digital para as crianças: evite mídia digital para crianças menores de 18 a 24 meses que não seja o bate-papo por vídeo. Para crianças de 18 a 24 meses, assista com elas, porque elas aprendem assistindo e conversando com você. Limite o tempo de uso da tela para crianças em idade pré-escolar, de dois a cinco anos, a apenas uma hora por dia de programação de alta qualidade. Novamente, assistir o programa com a criança é melhor, pois elas aprendem quando são reensinadas no mundo real o que acabaram de aprender através de uma tela;
- Crie zonas sem tecnologia: mantenha as refeições da família, outras reuniões familiares e sociais e os quartos das crianças livres das telinhas;
- Não use a tecnologia como escape emocional;
- Entenda quais são os melhores aplicativos para crianças – faça sua lição de casa;
- Não há problema em seu filho adolescente estar online, faz parte da geração digital e socialização; e
- Deixe as crianças atentas e avisadas sobre a importância da privacidade e os perigos dos predadores online.
Você pode ter mais informações no site da AAP (em inglês).
Outro assunto interessante, talvez para um próximo post, é como o tempo de atividades dentro de casa pode impactar na saúde ocular. Somente na China, observou-se um aumento para 80% no número de crianças na escola que precisavam de óculos corretivos. Sabe-se que existe um fator genético, mas o que o estudo apontou foi que fatores ambientais, especialmente a pouca exposição das crianças à luz, aumenta as chances do aparecimento de alterações na refração ocular. Ou seja, aumentar o tempo de exposição à luz, com atividades ao ar livre, é extremamente recomendado para as crianças. As telinhas, além de deixarem as crianças confinadas, também acaba forçando a vista com foco grudado no equipamento, que fica a uma distância muito próxima dos olhos.
Resumindo, os pais tem que ficar atentos. Apesar de as novas tecnologias serem muito atraentes, nosso desenvolvimento como humanos não se adapta prontamente, aliás tomamos milhares de anos para isso. Não evoluímos da mesma forma que as novidades ao nosso redor, e há evidências científicas para isso.
O estudo relatado acima mostra que a fiação neural fica mais confusa quando as crianças pequenas são expostas às telinhas de forma intensa, antes da idade preconizada, e com conteúdo sem qualidade, entre outros fatores. O impacto dessas alterações se mostrou justamente nas regiões cerebrais associadas às habilidades linguísticas, habilidades de ler e escrever da criança em idade pré-escolar, e região associada a funções executivas do cérebro.
Assim, os pais devem encarar as mídias digitais como mais um ambiente de desenvolvimento da criança, que requer supervisionamento, e até uma certa idade o melhor mesmo é o afastamento.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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