Micróbios que digerem óleo podem ajudar na crise de derramamento no NE
Em recentes casos de grandes quantidades de óleo derramadas no mar, como está ocorrendo agora nas praias do Nordeste brasileiro, cientistas passaram a experimentar o uso de microorganismos para digerir a sujeira e acelerar a solução. Ainda que em estágio inicial, a ideia é promissora por causa de seu potencial sustentável.
No desastre do Deepwater Horizon no Golfo do México em 2010, que afetou toda a vida marinha e as praias do Sul dos Estados Unidos, 650 milhões de litros de óleo cru foram liberados numa profundidade de 1.500 metros, formando plumas de gotículas de óleo cujo destino final ainda é um mistério.
Cientistas de Berkeley coletaram água marinha na região do desastre para simular um derramamento de óleo no laboratório. Graças a tecnologias modernas de sequenciamento, conseguiram identificar espécies raras de bactérias capazes de se alimentar das gotículas de óleo, assim como os genes que as permitem digerir hidrocarbonetos mais curtos.
O que se descobriu é que, como há milhares de compostos diferentes no óleo cru, as comunidades de microorganismos que se alimentam dele são igualmente complexas. Assim, mesmo os melhores esforços em se produzir bactérias especializadas em limpar derramamento de óleo no laboratório não conseguem bater a eficiência dessas comunidades naturais.
Daí que o melhor a ser feito em caso de derramamento ainda é usar dispersantes para separar o filme de óleo em gotículas e suplementar as bactérias com outros nutrientes (fertilizantes) que facilitam a digestão. No Deepwater Horizon, reduções de até 30% nos níveis de oxigênio foram detectadas no fundo do mar, causadas pela elevada atividade digestiva dessas bactérias.
No caso dos derramamentos de grandes proporções que atingem a costa, medidas de biorremediação envolvendo o uso de fertilizantes também podem ser aplicadas. Foi o que foi feito com o derramamento do Exxon Valdez em 1989 no Alaska, no maior desastre desse tipo, quando foram notadas taxas até cinco vezes maiores de biodegradação.
Quebrando o óleo pesado
Cientistas tentam estudar melhor essas comunidades de microorganismos para desenvolver uma mistura ideal de bactérias e fertilizantes que possa ser aplicada rapidamente em derramamentos. Ainda assim, a biodegradação pode levar anos.
As cadeias menores de hidrocarbonetos podem até ser digeridas mais rápido, mas as mais pesadas, como o piche e o asfalto, são muito mais complicadas. Afinal, não faríamos estradas de asfalto se fosse um material facilmente digerido por bactérias.
Estudos recentes conseguiram identificar alguns gêneros de bactérias que conseguem digerir hidrocarbonetos aromáticos, que são mais difíceis de serem processados. Essas incluem a Colwellia, o Neptuniibacter e o Alcanivorax. O Alcanivorax, por exemplo, consegue digerir óleos pesados em dois meses.
Ainda assim, nenhuma dessas espécies tem todos os genes necessários para processar os hidrocarbonetos mais estáveis, sendo essencial que sejam estudadas no contexto de suas comunidades.
A origem
Para entender o fenômeno, vamos voltar um pouco no tempo. Para ser mais exato, mais de 300 milhões de anos atrás, no chamado Período Carbonífero, quando a grande maioria de nossas reservas de carvão tiveram origem.
Nesse período, grandes florestas cobriram a Terra, consumindo carbono da atmosfera. Essas florestas foram depois enterradas e lentamente transformadas em carvão ao longo de milhões de anos, por processos geológicos semelhantes aos das formações das reservas de petróleo. Essa retirada de carbono da atmosfera (o mesmo carbono que agora devolvemos quando queimamos combustíveis fósseis) diminuiu a temperatura da Terra e aumentou a oferta de oxigênio, sendo fundamental ao desenvolvimento da vida como a conhecemos hoje.
Um dos motivos mais aceitos para esse processo da formação do carvão, embora ainda um pouco controverso, é a demora dos microorganismos do Período Carbonífero em aprender a digerir uma inovação evolucionária das plantas da época: a lignina, um biopolímero resistente que forma a madeira. Dessa forma, os troncos e cascas das árvores, em vez de serem digeridos e reaproveitados nos ciclos alimentares, acabaram indo parar no subsolo.
Pois agora, muitos milhões de anos depois, a mistura de hidrocarbonetos dos mais variados que compõe o óleo cru, por descuidos de nossa parte, acaba sendo devolvida ao meio ambiente. É outra vez uma fonte de energia abundante e inesperada para os microorganismos da nossa época, que nem sempre estão preparados para aproveitá-la.
É preciso evitar desastres
Apesar dos resultados encorajadores obtidos pelos cientistas, os resultados imediatos de vazamentos de grande proporção são devastadores, e só podem ser aliviados com esforços árduos de limpeza. A pesca e a vida marinha são afetadas, corais são eliminados. Camarões e mariscos são contaminados, e pássaros e tartarugas cobertos de óleo não conseguem se mover.
Até o fino filme de óleo formado na superfície da água interfere com a oxigenação e a iluminação da água, matando o fitoplâncton e atacando o ecossistema pela base.
Os micróbios fazem a parte deles, e é possível confiar na biodegradação do óleo cru no longo prazo. Mas não há milagres. Enquanto ainda dependemos de combustíveis fósseis, todo cuidado é pouco.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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