Reprogramar células-tronco para corrigir nossos olhos já é possível
Uma mulher no Japão foi a primeira pessoa a receber uma córnea feita com células-tronco reprogramadas. Finas camadas de células da córnea foram produzidas em laboratório a partir das chamadas células-tronco pluripotentes induzidas (iPS). A operação aconteceu há um mês, na Universidade de Osaka, pelo grupo do oftalmologista Kohji Nishida. O sucesso do transplante foi constatado após alguns dias, com a melhora da visão da paciente. A córnea nova mostrou-se transparente e não apresentou sinais de rejeição.
Uma das grandes vantagens deste material é poder atender a grande lista de pessoas que esperam um transplante de córnea. Hoje, o material vem de doadores falecidos, e ainda é desafiador encontrar tecido de boa qualidade. A córnea produzida das células-tronco pluripotentes induzidas tem qualidade controlada, o que também diminui a chance de rejeição. Esse é mais um avanço da ciência para o uso de células pluripotentes em humanos.
O que são células-tronco
Células-tronco tem algumas propriedades únicas. Elas são células poderosas que podem gerar muitos tipos diferentes de células (como as especializadas dos músculos e do sangue), e por isso são chamadas de células pluripotentes. Na verdade, são precursoras de todas as células do corpo humano (menos as da placenta).
Todas as células-tronco tem as seguintes três características: são capazes de dividir-se e renovar-se por longos períodos, elas não são especializadas, e elas têm capacidade de se especializar em diferentes tipos de células.
Essas células estão presentes em nosso corpo, chamadas de células-tronco adultas, ou em forma embrionária, nos primórdios da divisão celular. As células-tronco adultas ficam nos órgãos e são responsáveis pela manutenção e reparo dos tecidos.
A grande descoberta da iPS foi a possibilidade de reprogramar células especializadas, já maduras. Quando induzidas, essas células especializadas passam a se comportar como células-tronco pluripotentes embrionárias.
As células-tronco iPS e o Prêmio Nobel
É muito interessante como, ao longo do tempo, os cientistas entenderam melhor as propriedades das células-tronco, a ponto de conseguir reprogramar a diferenciação celular.
Dois cientistas ganharam o Prêmio Nobel em 2012 pela descoberta que "células maduras podem ser reprogramadas e tornarem-se células pluripotentes". Foram eles o cientista inglês John B. Gurdon e o cientista japonês Shinya Yamanaka. O que intrigava os cientistas era como células embrionárias poderiam se especializar em tantas outras células, e como isso procede. Os cientistas começaram a olhar para o núcleo da célula.
O cientista John Gurdon realizou um experimento em 1942 que foi um marco divisório. Ele mostrou que células especializadas contêm exatamente a mesma informação (DNA) que uma célula-tronco pluripotente. O experimento utilizou a célula-ovo de rã. O núcleo de uma célula especializada do intestino deste animal substituiu o núcleo de uma célula-ovo. Essa célula se desenvolveu e conseguiu formar um girino. O experimento mostrou que o DNA de uma célula madura tem toda a informação necessária para desenvolver o ovo em um animal com seus diferentes tecidos especializados.
Baseado nesse e outros experimentos, o cientista Shinya Yamanaka foi ainda mais longe. Ele encontrou os genes que, quando programados, tornam células maduras em células pluripotentes. Em 2006, Yamanaka conseguiu reprogramar células maduras de ratos e, em 2007, em células humanas. Yamanaka testou diferentes fatores de transcrição (que regulam os genes) e conseguiu atingir as três propriedades da célula-tronco pluripotente. Nestes estudos, ele conseguiu definir os fatores realmente responsáveis pelas características, e que no fim eram apenas quatro fatores (Oct3/4, Sox2, Klf4, c-Myc).
Córnea e minicérebros com células iPS
Em termos de regulação, o Japão está na frente em aprovar esse tipo de estudo com iPS e tem um dos maiores centros de pesquisa na área. O ministério da saúde japonês autorizou o transplante da córnea com células-tronco reprogramadas em quatro pacientes, que serão acompanhados por um ano. Esse tipo de aprovação está na vanguarda da regulamentação nesta área. E, havendo bons resultados, o transplante de córnea pode dar um salto qualitativo, apoiado pela ciência.
Outra pesquisa recente com células iPS envolvem os organoides, também chamados de miniórgãos. O organoide é um conjunto de células diferenciadas, que foram induzidas a partir das células-tronco. O volume não é grande, esses organoides têm tamanho de uma cabeça de alfinete, e consistem em nada mais do que uma massaroca de células. Um dos modelo desenvolvidos para o cérebro foi feito por pesquisadores da UFRJ. Um experimento recente, e que chamou a atenção dos cientistas, é o do brasileiro Alysson Muotri.
Em seu laboratório na UCSD, o grupo de pesquisa produziu um organoide a partir da iPS transformando-as em células neuronais, como um minicérebro. A grande descoberta é que há interação nessas células, similar ao que acontece no cérebro. Os cientistas puderam observar sinais elétricos da interação destas células. Se o organoide não é de fato um cérebro, o que poderia estar acontecendo para se observar esse sinal? É uma das questões que podem abrir novas avenidas aos cientistas!
Essas e muitas outras áreas de pesquisa foram abertas com o advento da reprogramação das células-tronco pluripotentes, em 2006. Esses exemplos recentes, inclusive de pesquisadores brasileiros, nos mostram os enormes avanços na ciência básica e também em intervenções médicas, que só são possíveis com muito investimento em pesquisa.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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