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Não é só para especulação: moedas virtuais e blockchains combatem corrupção

Shridhar Jayanthi

27/12/2018 04h00

Moedas em cima de uma placa mãe

Recentemente, criptomoedas entraram na moda por causa de seu potencial especulativo. Um exemplo é o bitcoin, o mais conhecido uso de moedas transferíveis usando tecnologia de blockchains. A moeda ficou famosa recentemente por sua espetacular trajetória especulativa e atual queda. Um bitcoin que valia em torno de US$ 100 em 2013 chegou a valer mais de US$ 17 mil há um ano, e hoje está valendo um pouco mais de US$ 3.000.

Mas criptomoedas tem vantagens intrínsecas que não tem nada a ver com especulação. Inclusive, algumas criptomoedas conhecidas como stablecoins apresentam uma dificuldade imensa em ser utilizada com intuito especulativo. O BNDES, por exemplo, está em vias de implementar uma criptomoeda lastreada no real, com objetivo de reduzir fraudes com corrupção.

Para entender as vantagens do funcionamento da nova moeda do BNDES, vale a pena entender o que são as tais blockchains. Uma blockchain é uma cadeia de blocos de dados. A integridade da estrutura de dados é garantida pelo mecanismo de encadeamento dos blocos. A geração de cada novo bloco de dados é associada ao congelamento do bloco anterior. O resultado disso é uma estrutura de dados capaz de registrar sequências de transações.

Além disso, o algoritmo que determina o encadeamento permite que a blockchain possa ser replicada em vários computadores diferentes e garante, com uma alta probabilidade, que um indivíduo não possa alterar a sequência. É um livro-caixa acessível por qualquer um. E praticamente inviolável.

Essa estrutura permite a criação de criptomoedas. Cada transação com um bitcoin é registrada no livro-caixa e é assim que uma pessoa pode demonstrar posse da moeda. No sistema tradicional (no caso, no mundo real) as criptomoedas não tem um lastro físico. O emissor da moeda é o próprio algoritmo e a operação dele não tem vínculo nenhum com, por exemplo, operações financeiras do Banco Central do Brasil ou com o Federal Reserve americano. Dessa forma, as criptomoedas estão fadadas à volatilidade, virando um enorme playground pra especulação. Mas nada impede que uma criptomoeda seja lastreada!

A moeda que o BNDES pretende lançar – o BNDESToken – é uma moeda lastreada no real. A ideia é que cada BNDESToken valerá um real, garantido pelo próprio BNDES. O objetivo do BNDES ao criar o BNDESToken está no potencial de transparência de um livro-caixa escrito em uma blockchain. Cada real repassado pelo BNDES para um beneficiário será na forma de um BNDESToken. Dessa forma, todos os gastos executados com verba oriunda do BNDES serão registrados na blockchain. Esse processo permite investigação posterior em caso de denúncias de corrupção ou de desvio de dinheiro. E a integridade garantida pela blockchain permite que auditorias possam ser feitas muito tempo depois da execução dos gastos.

O BNDESToken será implementado usando o Ethereum – a segunda maior blockchain do mundo. O Ethereum permite o uso de smart-contracts, contratos digitais autoexecutáveis. Ainda não sabemos ao certo se e como o BNDES usará algum tipo de smart-contract na infra-estrutura. Há oportunidade. Por exemplo, o BNDES pode utilizar contratos digitais para implementar prazos para execução de gastos. Um repasse do BNDES pode vir com uma cláusula exigindo que o gasto seja executado em um ano. Ao final deste período, o contrato digital pode retornar os BNDESTokens para o BNDES caso não tenham sido gastos ainda.

A primeira implementação, de acordo com as fontes, começará em janeiro e monitorará gastos com a Ancine. Aparentemente, as transações com o BNDESToken registrarão o CNPJ dos recipientes. Os dados, além de ajudar a monitorar fraudes, poderão ser minados para entender como os gastos são distribuídos na indústria cinematográfica. E, a depender dos resultados desse piloto, é possível que outras áreas do BNDES, bem como outros órgãos governamentais como FINEP e CAPES, passem a utilizar esse tipo de instrumento para auditoria.

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.