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Para onde o mundo vai

Oceanos no espaço: as respostas para a vida fora da Terra estão neles?

Mônica Matsumoto

13/12/2018 04h00

Por: João Seixas de Medeiros

Em 2022 a União Europeia e os Estados Unidos enviarão as sondas JUICE e Clipper à Europa (uma das luas de Júpiter), as quais chegarão ao seu destino apenas em 2029. O objetivo dessa missão é tentar encontrar o grande oceano que acreditamos que lá exista. O que nos aguarda lá? Será que encontraremos realmente um oceano abrigando vida no interior desse satélite?

A origem da vida sempre foi uma das perguntas mais importantes que a ciência busca responder. Depois do experimento de Miller-Urey, a teoria de Aleksandr Oparin e John Haldane de que moléculas essenciais para a vida foram criadas na Terra primitiva a partir de elementos básicos como hidrogênio, água, metano e amônia passaram a ser aceitas.

Além disso, oceanógrafos descobriram seres vivendo em regiões abissais dos oceanos sob condições extremas como alta pressão e ausência da luz solar. Essas descobertas alimentaram a curiosidade de astrônomos sobre a possibilidade da existência de vida extraterrestre em regiões extremas do espaço onde esses elementos básicos existem em abundância, especialmente água.

Em 1977 a NASA enviou ao espaço duas sondas chamadas Voyager I e II para viajar pelo nosso sistema solar e estudar de perto os planetas Júpiter e Saturno (1977 foi a data escolhida pois foi quando esses planetas alinharam suas órbitas, o que acontece somente uma vez a cada 176 anos). Apesar dessas sondas terem como foco os planetas, as informações coletadas sobre suas luas chocaram os cientistas.

Começando pelas luas de Galileu, Io e Europa, que orbitam Júpiter (Galileu Galilei é creditado pela descoberta de quatro dos maiores satélites de Júpiter em 1610), a Voyager detectou diversos vulcões ativos em Io, confirmando a suspeita de que forças de maré causadas pela imensa gravidade de Júpiter sob suas luas é suficiente para gerar calor dentro desses satélites. Logo em seguida vieram as imagens de Europa tiradas pela Voyager II. Os cientistas já sabiam que esse satélite possuía água e imaginavam que haveria gêiseres jorrando água na superfície, entretanto as imagens mostraram apenas uma superfície composta completamente por gelo.

Io
Europa
Havia ainda a hipótese de que embaixo de toda essa camada de gelo existisse um oceano inteiro, impedido de se solidificar graças às mesmas forças gravitacionais que criam os vulcões de Io. Mas foi apenas após a missão Galileu, lançada em 1989, que informações mais contundentes sobre o interior de Europa foram obtidas.

Para entender melhor o que a missão Galileu mediu, precisamos entender como campos magnéticos funcionam. Basicamente caso um material condutor de eletricidade seja colocado dentro de um campo magnético uma corrente elétrica será gerada. Essa corrente elétrica gerará um novo campo magnético, oposto ao original, cancelando-o parcialmente.

Os cientistas então supuseram que, caso Europa realmente possua um grande oceano de água salgada, condutora de eletricidade, em seu interior, uma sonda que pudesse medir o campo magnético da lua observaria uma mudança drástica nas medições perante ao poderoso campo magnético gerado por Júpiter. Esse exato fenômeno foi medido pela sonda Galileu ao passar próximo de Europa, tornando-a uma forte candidata a possuir vida em seu interior.

As grandes luas de Júpiter não são os únicos astros interessantes do sistema solar. Novamente graças às viagens das Voyagers I e II, imagens de Enceladus, uma das luas de Saturno, foram tiradas. A alta refletividade de sua superfície já indicava que essa lua é também composta por gelo. Mas foi apenas em 2005 com a missão Cassini que o fenômeno mais empolgante desse corpo foi observado: o polo Sul de Enceladus possui enormes gêiseres, exatamente como os cientistas esperavam ter encontrado em Europa, cuspindo vapor d'água para o espaço. Em junho desse ano a NASA revelou que Cassini também detectou compostos orgânicos misturados ao vapor d'água expelido pelos gêiseres de Enceladus.

 

Enceladus
 

 

Enceladus expelindo vapor d'água com seus gêiseres
Enceladus possui mais um grande mistério fascinante. Cálculos feitos em 2016 sobre a órbita dessa lua indicaram que sua posição atual não deveria ser possível caso ela tivesse a mesma idade dos outros satélites de Saturno, pois a ressonância gravitacional entre Enceladus, Saturno e as outras grandes luas do entorno já deveriam ter alterado bastante a sua órbita.

Para entender o fenômeno da ressonância gravitacional, imagine uma criança brincando num balanço com seu pai. A cada volta do balanço o pai empurra o balanço, mandando a criança cada vez mais alto. Caso você esteja passando perto e veja que a criança não está indo muito alto no balanço, então imaginaria que os dois começaram a brincadeira não faz muito tempo. Nesse caso Enceladus é a criança e o pai são Saturno e as outras grandes luas que o orbitam.

De fato, os cálculos feitos pela cientista Matija Ćuk e seu grupo mostram que a órbita atual de Enceladus poderia ser explicada caso essa lua tenha se formado a apenas 100 milhões de anos, quando os dinossauros ainda habitavam a Terra!

A busca pela origem da vida continua e existe muito a ser respondido. Graças às missões ao sistema solar realizadas ainda em 1977 pelas Voyagers, conseguimos uma motivação ainda maior para continuar as nossas explorações. O próximo passo será o envio das duas sondas, JUICE e Clipper, à Europa para tentarmos encontrar de fato o suposto oceano que se esconde debaixo de todo o gelo da superfície.

Caso realmente encontremos um oceano com vida, será que esses seres  extraterrestres possuirão a mesma estrutura que os seres da Terra? Quais seriam os mecanismos que eles utilizam para sobreviver em condições tão extremas? Ainda mais empolgante seria a descoberta de vida em Enceladus, pois, caso a hipótese de que essa lua é muito jovem venha a ser comprovada, encontrar seres em seu interior indicaria que a vida necessita de muito menos tempo para se desenvolver do que pensávamos. Vamos todos ter que esperar ansiosamente por mais outra década até que possamos ter mais informações sobre os oceanos no espaço.

Sobre o autor: João Seixas de Medeiros é Engenheiro Naval formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mestre em engenharia mecânica pelo Massachusetts Institute of Technology. Atualmente, João é doutorando do MIT, trabalhando em novos métodos para o estudo da geração, propagação e quebra de ondas do mar. Seus interesses incluem dinâmica dos fluidos, design de embarcações e métodos numéricos.

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.