O que a vida na Terra nos ensina sobre a vida em outros planetas
Seria a vida um fenômeno tão raro assim? O que encontraremos nos recém-descobertos lagos de Marte? O universo surgiu 13,8 bilhões de anos atrás, e por aproximadamente 400 mil anos era quente demais até mesmo para os átomos se formarem. Com o surgimento da matéria, a essa altura apenas hidrogênio e hélio, surgem também a primeira geração de estrelas. Elas brilhavam alimentadas pela fusão desses átomos leves, dando origem aos elementos mais pesados. Dos restos dessas primeiras estrelas surgiu nosso sistema solar, 4,6 bilhões de anos atrás, parte de uma geração subseqüente de estrelas que agora continham planetas rochosos. Foi só o tempo de esfriar um pouco e logo depois já vemos os primeiros sinais da vida na Terra. Ou seja, a vida surgiu assim que se apresentaram condições mínimas, com uma diversidade de elementos químicos e temperaturas mais baixas.
O mesmo processo evolutivo que criou incontáveis espécies diferentes na Terra, tão diferentes quanto você e um vírus, desenhou essas espécies todas com uma química celular notavelmente semelhante. Ou seja, a mesma evolução que encontra tantas soluções diferentes para preencher com seres vivos até mesmo os habitats mais inóspitos acabou evoluindo apenas uma solução (com pequenas variações) para os processos mais básicos da vida, como a transmissão de informação e a utilização de energia.
Antes do surgimento de animais multicelulares, a vida na terra precisou gastar aproximadamente 4 bilhões de anos para desenvolver toda a bioquímica necessária: os ácidos nucleicos (DNA e RNA) e seus mecanismos de replicação, a síntese de proteínas, o metabolismo celular, que consome compostos de carbono para gerar energia e componentes celulares, assim como os lipídios que formam as membranas que contêm essas reações químicas. Esses processos centrais estão presentes em todos os domínios da vida, e provavelmente estavam presentes já nas primeiras células que originaram toda a vida que conhecemos hoje em dia. Por conta dessa origem comum, as moléculas básicas são praticamente as mesmas em todos os seres vivos. Isso permite a interação química entre os diferentes organismos na Terra, fazendo com que os nutrientes fluam por meio dos ecossistemas.
Animais multicelulares, certamente mais famosos que meros micróbios, evoluíram independentemente dezenas de vezes. Foram necessários apenas 500 milhões de anos para que algo semelhante a uma água-viva evoluísse até chegar a nós humanos. Portanto, quando percorremos o espaço sideral atrás de outros seres vivos, devemos nos lembrar de que não está aí o gargalo para o surgimento de vida inteligente. Há vários modelos de animais complexos aqui mesmo na Terra, mas haveria outras formas possíveis de vida baseadas em bioquímicas diferentes?
Talvez o experimento mais notável sobre a origem da vida seja o da "sopa primordial" de Stanley Miller e Harold Urey em Chicago e San Diego (baseado em sugestões do bioquímico russo Alexander Oparin), que deu origem a toda uma área da biologia devotada a essas questões. Eles passaram uma mistura de gases abundantes no começo da Terra (metano, amônia, hidrogênio e água) por um aparato que disparava descargas elétricas semelhantes a relâmpagos, e depois de duas semanas obtiveram uma rica mistura de compostos orgânicos, inclusive vários dos aminoácidos que formam nossas proteínas. A partir desses compostos iniciais, não seria difícil de imaginar o surgimento de moléculas mais complexas.
Partindo dessa sopa, quais foram as primeiras moléculas "vivas"? Essas moléculas teriam de ser capazes de evoluir, ou seja, de carregar informação e de se replicarem. Na Terra, acredita-se que esse papel coube ao RNA, que não só contém informação na forma de uma seqüência de nucleotídeos como também é capaz de funcionar como uma enzima. Experimentos recentes de John Sutherland em Cambridge mostram que moléculas inorgânicas simples (cianeto de hidrogênio e sulfito de hidrogênio) podem ser catalisadas por radiação ultravioleta para formar não só precursores dos nucleotídeos necessários para formar o RNA, mas também aminoácidos e lipídeos.
O descobrimento de possíveis caminhos para a origem da vida como nós conhecemos, porém, não significa que sejam os únicos. Todos os aminoácidos que compõe as proteínas dos seres vivos da Terra tem a mesma quiralidade, por exemplo, enquanto que no experimento de Miller-Urey aminoácidos de quiralidades opostas são gerados na mesma proporção. Por que não encontramos ambas as formas na natureza? Teria a Terra mesmo abrigado uma diversidade maior de reações bioquímicas primordiais, ou até mesmo proto-organismos, que teriam perdido a competição para o modelo atual? Apesar de termos uma boa idéia sobre algumas das propriedades necessárias para a geração de um sistema bioquímico capaz de evoluir para formas mais complexas, não conhecemos nenhum outro exemplo, natural ou sintético, que seja diferente do que encontramos dentro de nossas células.
Quando deixamos nossa imaginação correr solta, geralmente gostamos de pensar em contatos do terceiro grau com civilizações avançadas, ou no mínimo um predador no estilo "alien". Apesar de menos cinematográfico, eu certamente me animaria até mais com algum vestígio de micróbios num planetas distante. De uma certa maneira responderiam uma questão mais fundamental sobre nós mesmos. Por mais simples que fossem esses organismos, seriam feitos à nossa imagem e semelhança?
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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