Topo

Para onde o mundo vai

Novas técnicas permitem um olhar inédito sobre o mundo celular

Mônica Matsumoto

26/07/2018 04h00

De células ao corpo humano, uma forma de investigar e, eventualmente, entender os seres vivos é por imagens. Por meio de instrumentos com diferentes princípios físicos podemos ir além do que os olhos vêem, permitindo o imageamento de órgãos, tecidos e do funcionamento macroscópico dos sistemas. Na medicina, imagens como raio-X, ressonância magnética e ultrassonografia estão entre as técnicas mais utilizadas. Na biologia celular, olha-se para estruturas em escala muito pequena como células e organelas. A técnica de imagem mais usada é o microscópio; e existem vários princípios de funcionamento como o microscópio óptico, confocal, laser e eletrônico de transmissão.

Cada modalidade de imagem tem suas características e limitações. Dois aspectos são muito importantes: a resolução da imagem no espaço e a resolução no tempo. E, em geral, há um balanço entre eles. A resolução no espaço diz respeito a qual o menor tamanho de estrutura que se pode reconhecer na imagem, quanto menor a estrutura, maior a resolução espacial. A resolução no tempo diz respeito a capacidade de gerar duas imagens distintas em um intervalo de tempo a fim de capturar as variações das estruturas, quanto mais imagens por segundo, maior a resolução temporal. Para estruturas complexas, todo detalhe espacial é importante. E para processos dinâmicos, a variação de fenômenos no tempo é essencial.

Neste ano, ao menos dois grupos do Janelia Research Campus, do Instituto Médico Howard Hughes, lançaram inovações na tecnologia de imageamento celular e subcelular, tanto no campo do espaço como tempo. O grupo do neurocientista Davi Bock e colaboradores acabam de publicar um artigo na revista Cell. Os cientistas foram capazes de mapear completamente o cérebro de uma mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster) adulta numa resolução de poucos nanômetros (4nm x 4nm x 40nm). A mosca Drosophila é muito investigada pois, apesar de seu cérebro diminuto, ela aprende, e memoriza, e até sabe identificar onde são os lugares seguros e perigosos. Desvendar esses mecanismos de comportamento juntamente com a conexão dos neurônios é fascinante para os cientistas. O cérebro desta mosca é do tamanho de uma semente de papoula e tem aproximadamente 100.000 neurônios.

Neste nível de resolução, é possível até mesmo desvendar os circuitos sinápticos. Seguindo a morfologia das células e estruturas subcelulares, pode-se mapear onde estão as conexões entre os neurônios. Desta maneira, os cientistas foram capazes de descobrir um novo tipo de célula, o MB-CP2. Para desempenhar esse imenso trabalho, foi desenvolvido um microscópio eletrônico de transmissão capaz de escanear (como uma máquina de xérox) 7.000 fatias do cérebro desta Drosophila, e em cada fatia foram feitas aproximadamente 3.000 imagens, cada uma com um campo de visão de 8×8 micrômetros. O total das mais de 21 milhões de imagens foram costurados como num quebra-cabeças para formar o cérebro completo, tridimensional. Veja o video do projeto.

Outro grupo do Janelia Research Campus, do cientista Eric Betzig e colaboradores, publicou em abril na revista Science a técnica que possibilita imagear a dinâmica das estruturas subcelulares em organismos multicelulares, ou seja, enxergar a célula em seu ambiente natural e poder observar subestruturas durante a interação entre células diferentes. Através de uma técnica não invasiva de microscopia de luz em folhas (lattice light-sheet microscopy) com correção adaptativa das aberrações ópticas, é possível fazer essas imagens tridimensionais sem perturbar as células.

É possível, ainda, destacar estruturas subcelulares por fluorescência. A técnica possibilita resolução temporal e espacial suficientes para observar a dinâmica dos processos celulares, como nesse vídeo abaixo, em que é possível observar uma célula do sistema imunológico transitando no meio perilinfático de um embrião de peixe paulistinha (zebrafish). Betzig já havia sido reconhecido com o prêmio Nobel em 2014 por seu trabalho em microscopia de super resolução por fluorescência. Agora, com a combinação da técnica adaptativa, há uma revolução dessas imagens espaço-temporais.

 

 

Essas inovações abrem avenidas ainda não exploradas, permitindo grandes avanços na biologia celular e na neurociência. A alta resolução espaço-temporal é alcançada através da constante evolução de várias áreas, desde a física até a computação. As inovações estão na capacidade de adquirir esses dados (fontes e sensores), precisão na manufatura e técnicas de aquisição e posicionamento, além da computação necessária para unir essas informações. O destaque, é claro, vem da capacidade dos cientistas de fazerem as perguntas certas e procurarem as respostas da melhor forma possível, ou inventar tecnologias que tornem o que não existe possível.

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.