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Tempo louco: Como a química ajuda a entender as variações do clima

Daniel Schultz

21/06/2018 04h00

Por Cristina Schultz

Entender as mudanças pelas quais a Terra passa é de extrema importância para a humanidade. Variações no tempo (definidas como mudanças de até alguns dias), como saber se o dia vai ser chuvoso ou se a temperatura vai cair durante a noite, são úteis para planejar o dia a dia. Já variações no clima, que ocorrem ao longo dos anos, são importantes para tomar decisões estratégicas para o futuro. Um agricultor precisa saber se a chuva acumulada durante o verão vai ser suficiente ou se geadas vão ser frequentes durante o inverno, por exemplo.

Enquanto variações de ano para ano são comuns, um aumento na ocorrência de um certo padrão (como um verão mais quente) ao longo de décadas pode indicar uma tendência de mudança climática. Essas mudanças que podem durar centenas ou milhares de anos, como os períodos glaciais e interglaciais, e são causadas por mudanças na química da atmosfera, atividade vulcânica ou por conta de variações na quantidade de energia que a Terra recebe do sol. As mudanças na quantidade de energia podem ser devido a variações na órbita da Terra (bem pequenas, se comparadas com a distância até o sol) e variações na atividade solar.

Uma das técnicas que mais tem ajudado a interpretar as mudanças de temperatura ao longo do tempo é o uso de isótopos, que são átomos de um mesmo elemento químico que apresentam massas diferentes. A maior parte dos átomos de carbono, por exemplo, possui massa atômica igual a 12 (unidades de massa atômica). Uma porcentagem do carbono, no entanto, tem massa 13, e outra tem massa 14. O carbono 14 é um dos chamados isótopos radioativos, que com o passar do tempo se transformam em outros elementos, num processo chamado decaimento radioativo.

Esses isótopos são usados para saber qual é a idade de amostras geológicas, como um pedaço de gelo coletado dos confins da Antártica ou um pedaço de rocha retirado do fundo do oceano. Esse cálculo é possível porque o carbono 14 é formado constantemente na atmosfera pela interação dos raios cósmicos com átomos de nitrogênio.  A quantidade de carbono 14 de uma amostra começa a diminuir assim que ela é separada da atmosfera, revelando a sua idade.

No entanto, alterações na atmosfera produzidas pelo homem mudam essa dinâmica, e têm que ser consideradas no cálculo da idade de uma amostra. A queima de combustíveis fósseis, formados há muito tempo, introduzem mais carbono 12 na atmosfera, diminuindo a proporção de carbono 14 e fazendo com que a atmosfera pareça mais antiga. Além disso, durante as décadas de 1950 e 1960, quando o mundo se preparava para a guerra fria, houve uma grande quantidade de testes de bombas nucleares que produziram um pico de carbono 14, fazendo com que a atmosfera parecesse mais nova.

Os isótopos estáveis (que não passam por decaimento), por sua vez, nos dão outro tipo de informação, ajudando a determinar a temperatura em outras épocas da Terra. A natureza (assim como nós) tende sempre a procurar o caminho mais fácil. Assim, diversas reações químicas favorecem o uso dos isótopos mais leves, o equivalente a ter que levantar menos peso para obter um mesmo resultado. No caso de um organismo utilizando um átomo de carbono para formar uma molécula de açúcar, por exemplo, é mais fácil usar um átomo de carbono 12 do que um átomo de carbono 13.

No entanto, se o sistema tiver mais energia (ou seja, se for mais quente), o uso do carbono 13 é facilitado e a diferença entre as quantidades do isótopo mais pesado e do mais leve vai ser menor.  Os isótopos, portanto, nos ajudam a quantificar os diversos ciclos pelas quais a Terra passou, como as eras glaciais e interglaciais, e saber o quais foram as causas dessas variações.

Foram essas mesmas técnicas que nos informaram sobre a influência dos gases que causam o chamado efeito estufa. A presença de gases e de vapor d'água na atmosfera ajuda a reter o calor vindo do sol, formando uma "capa" que aumenta a temperatura. Quanto maior a concentração de certos gases (como o CO2), mais calor a Terra guarda.

O efeito estufa não é um problema por si só. Não fosse pela presença desses gases, não haveria vida como nós a conhecemos. Desde a revolução industrial, no entanto, a quantidade de gases de efeito estufa (principalmente CO2) tem aumentado drasticamente, já que muito do carbono que estava enterrado agora é queimado na forma de derivados do petróleo e volta à atmosfera. O efeito estufa, que sempre existiu, agora é amplificado e a Terra passa a esquentar mais do que esquentaria através dos fenômenos "naturais".

Mas se a temperatura da Terra sempre variou, qual é o problema com as mudanças observadas agora? A taxa de aumento de temperatura observada nos últimos 150 anos é cerca de 20 vezes mais rápida do que o aumento de temperatura entre a última era glacial (cujo pico ocorreu há cerca de 22 mil anos) e o início da revolução industrial (considerado como o ano 1850). Durante a última era glacial, a Terra era cerca de 6 graus mais fria e cidades como Boston, por exemplo, estavam cobertas por cerca de 3 km de gelo.

Fazendo uma comparação para ilustrar a diferença entre essas taxas de aquecimento, é normal que o nosso peso varie ao longo do tempo. Situações de stress, umas férias bem merecidas e diversas outras situações fazem com que seja normal que alguém ganhe ou perca 2 ou 3 quilos num período de um mês. No entanto, se essa variação ocorrer no período de um dia, é melhor procurar um médico! Além disso, assim como o aumento de peso não é observado igualmente em cada parte do corpo, o aumento de temperatura da Terra é mais evidente em algumas áreas do planeta.

Cidades como Miami têm tido mais problemas com enchentes devido ao aumento do nível do mar, enquanto que comunidades do Alaska têm tido que se adaptar a novos meios de vida devido à perda de gelo, e por aí vai. Ainda que o nosso meio de vida não tenha sido impactado de maneira extrema até agora, já vale a pena pensar se a nossa dependência de derivados do petróleo é saudável. Como pudemos perceber recentemente com a greve dos caminhoneiros no Brasil, nós não estamos preparados para ficar sem um recurso que eventualmente acabará.

 

Sobre a autora: Cristina Schultz é oceanógrafa formada pela USP, com mestrado em meteorologia pelo INPE. Atualmente faz doutorado em oceanografia química num programa conjunto entre o Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI) e o Massachusetts Institute of technology (MIT). Sua pesquisa é focada em combinar o uso de dados coletados em cruzeiros oceanográficos e modelos para entender as consequências das mudanças climáticas observadas durante as últimas décadas na química do oceano e no ecossistema marinho em áreas polares (mais especificamente na Península Antártica, no Golfo do Alaska e no Mar de Chukchi).

 

 

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.