Tem novelo aí: técnica faz "tricô" com a pele para produzir tecido humano
No mundo pop, manipulação de tecidos feitos de pele é coisa de psicopata. Mas a manipulação desse tipo de tecidos tem importantíssimas aplicações médicas. Médicos precisam reparar cortes, feridas e queimaduras em seus pacientes. Em algumas situações – suturas, por exemplo – um fio resolve o problema. Em situações onde a área afetada é maior, enxertos podem ser utilizados.
De uma forma geral, há dois tipos de materiais disponíveis: biológicos e sintéticos. Materiais sintéticos são fáceis de se manusear. Eles costumam ser bastante parecidos com outros tipos de tecidos da indústria têxtil. Consequentemente, todo o aparato tecnológico da indústria têxtil está disponível para fabricar e customizar os materiais de acordo com as necessidades médicas.
De vez em quando o corpo do paciente não gosta de materiais sintéticos. A rejeição pode acontecer de várias formas. Às vezes o sistema imunológico cria anticorpos contra o material, provocando um alergia. Às vezes o corpo forma tecidos fibrosos ao redor do novo material, causando dor ou impedindo movimento. Uma solução é utilizar tecidos biológicos, como no caso de enxertos de pele no tratamento de queimaduras ou cortes com perda de pele. O problema é que esses tecidos não são de fácil manipulação.
Um dos problemas é a dificuldade de moldar um tecido biológico em formatos diferentes. Uma solução é cultivar o tecido usando um molde. Essa estratégia foi aplicada na construção de veias e artérias. Os cientistas criaram um aparato com estruturas cilíndricas que criam um molde para a pele crescer e adquirir a forma de um vaso sanguíneo. Esse tipo de trabalho mostra que há formas de contornar o problema, mas também ilustra a dificuldade existente para trabalhar com tecidos biológicos.
Um grupo francês apresentou uma solução criativa, criando "novelos" de fibras criadas a partir de tecido humano. A ideia, divulgada semana passada por pesquisadores da Universidade de Bordeaux, usa métodos semelhantes ao da produção de outros tecidos a partir de lã ou algodão. A proposta é aglutinar microfibras num processo de fiação que inclui torção e alinhamento contínuo.
Um dos desafios resolvido pelos pesquisadores é a formação inicial das microfibras. Para isso, o grupo cultivou uma linha derivada de células de pele humana responsáveis por criar a matriz extracelular que forma a pele humana. Após o cultivo, a matriz extracelular é extraída e processada para gerar as microfibras entre 3 e 10mm. O passo seguinte é iniciar o processo de alinhamento e torção já conhecido pela indústria têxtil. Os pesquisadores foram capazes de prod uzir fios de até 3m.
Customização do tamanho das fibra e a qualidade da torção pode ser utilizada para modular a resistência, flexibilidade e diâmetro dos fios. Esse ajuste permitiria adequar a fibra para o tipo específico de sutura. Esses fios também podem ser "tricotados" para formar panos. Esse processo permite uma flexibilidade ainda maior, pois permite uma diversidade de nós e pontos. A forma e os laços utilizados na construção do pano podem ser utilizados para criar propriedades, um fato bem conhecido por profissionais na área da tecelagem.
Esse processo apresenta ainda a vantagem de utilizar células humanas para criar a pele. Tendo em vista outros desenvolvimentos tecnológicos com células-tronco, será possível que a pele seja produzida por células extraídas do próprio paciente, o que diminuiria imensamente a rejeição ou outros tipos de complicações imunológica.
A grossura das microfibras geradas nesse processo atrapalha a fabricação de "panos" mais delicados, e isso pode limitar o uso desse material em algumas aplicações. Mas avanços tecnológicos devem contornar esse problema. E o uso de tecelagem dá flexibilidade para misturar tipos diferentes de fios para formar características mais interessantes ou úteis, como é corriqueiro na indústria.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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