Machine learning identifica risco de doença genética que dá colesterol alto
Pela primeira vez, uma ação em saúde foi feita com aprendizagem de máquina para identificar em população aparentemente saudável o risco de Hipercolesterolemia Familiar (HF). Esse estudo foi publicado pela revista "The Lancet" com mais de 170 milhões de indivíduos. O trabalho feito pelo time de Kelly Myers e financiado pela FH Foundation, com o intuito de identificar o maior número possível de indivíduos com HF.
A hipercolesterolemia familiar é uma doença genética bastante comum, que altera o metabolismo das lipoproteínas, e deixa os níveis do colesterol LDL altos. A estimativa é que no mundo um a cada 250 indivíduos tenha essa alteração genética HF. O impacto nessa população é que até 50% dessas pessoas terão um evento coronariano até os 60 anos de idade. É um fator de risco bem elevado!
Sabe-se que, uma vez diagnosticados, esses pacientes podem se beneficiar de terapias que diminuem consideravelmente o risco de doença coronariana. Quanto mais cedo a intervenção, melhor o manejo dessa condição. Hoje, sabe-se que apenas 10% desses pacientes sabem do diagnóstico. Ou seja, 90% ainda não foram diagnosticados e não estão sendo tratados.
Nesse trabalho publicado, os cientistas utilizaram uma base de dados com diagnóstico bem definido de hipercolesterolemia familiar, e outros indivíduos considerados saudáveis (chamado grupo controle). O método de aprendizagem de máquina tomou como modelo duas redes consecutivas de floresta de decisão aleatória.
Após esse preparo, os cientistas aplicaram o conhecimento de máquina em mais de 170 milhões de dados de pacientes. Os dados analisados foram prescrições, procedimentos, diagnósticos, resultados de laboratório, condicionais de terapia (se respondiam a estatina, por exemplo) e demográficos.
Uma observação é que os indivíduos selecionados tinham algum fator de doença cardiovascular como hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes. O modelo especialmente dava conta de desvendar entre os que tinham algum sintoma, saber se era por carga genética (HF).
A máquina levantou mais de 1,3 milhões desses pacientes com risco de HF. Como amostra, alguns médicos foram contactados, e avaliaram parte dos casos. Na revisão criteriosa desses pacientes, em 87% deles foram realmente constatados como altíssima suspeita de HF, e poderiam ser encaminhados para avaliação definitiva como por diagnóstico molecular e logo em seguida para terapias estado-da-arte de hipercolesterolemia.
Para o indivíduo, é ótimo saber de um risco de saúde como o predisposto pela HF. Para o médico, é ótimo poder intervir o quanto antes no manejo desse paciente, e evitar um evento cardiovascular. Para o sistema de saúde público e privado, os gastos de manejo (por muitas vezes medicamentoso) são menores que os gastos de uma intervenção mais complexa como cirurgia como consequência de um infarto do miocárdio, por exemplo.
Para a indústria farmacêutica, é ótimo ampliar o mercado e desenvolver remédios ainda mais específicos. Assim, a soma de cuidados, prevenção de risco e diminuição de gastos é positiva para todos. Esse estudo demonstrou uma forma de achar as agulhas no palheiro, de forma bem precisa.
Uma questão que surge é: essa exploração fere a privacidade do paciente? Você gostaria de ser contactado por seu médico, caso tivesse algum risco de saúde?
Os dados coletados do sistema de saúde americano seguiram as práticas de privacidade médica americanas (HIPPA), e foram usados de forma anonimizada. Ou seja, nem a máquina nem os cientistas sabiam quem eram as pessoas do estudo. Uma vez com os resultados, os casos puderam ser relatados aos médicos desses pacientes sinalizados com HF. Os médicos, por sua vez, podiam pedir a deanonimização do paciente e intervir diretamente.
Todo esse mecanismo de busca e ação ainda terão de ser afinados, inclusive para garantir que os testes diagnósticos serão pagos pelo plano de saúde ou sistema público de saúde. Políticas públicas de saúde também podem ser direcionadas para identificar esses indivíduos. As evidências científicas do aprendizado de máquina para triagem de HF foram colocadas na mesa. E é muito interessante contar com esse tipo de ferramenta para a triagem, não apenas de HF, como de outros fatores de risco.
Sobre os autores
Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.
Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.
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