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Para onde o mundo vai

Descobriram uma tinta especial para fotografar a conversa dos neurônios

Mônica Matsumoto

08/08/2019 04h00

Figura 1. A substância Voltron faz os neurônios brilharem sob o microscópio. Quando a voltagem das células muda, o mesmo acontece com a fluorescência. Isso permite que os cientistas saibam quando os neurônios estão disparando. Crédito: Ahmed Abdelfatta. Fonte: JRC-HHMI

Uma técnica avançada com tintura sintética é capaz de mostrar imagens, em tempo real, de como os neurônios estão trabalhando. Método melhora o que já fazemos com eletrodos, que monta as imagens como um quebra-cabeça e tem resposta mais lenta

Uma nova técnica desenvolvida no Janelia Research Campus HHMI promete amplificar as possibilidades de pesquisa com os neurônios do cérebro e outras conexões do sistema nervoso. Ao invés de usar fios e microeletrodos, agora é possível fazer isso com imagens quase em tempo real.

Se pensarmos que as conexões dos neurônios são como um grande dominó emaranhado, o eletrodo seria um sensor que capta a ativação de cada peça, e depois essa informação tem que ser colocada junta como um quebra-cabeça. Já esse novo método funciona como um vídeo da cena toda, em que é possível ver o caminho de ativação por meio apenas das imagens.

Isso fica ainda mais difícil porque os disparos de comunicação destas células são muito rápidos, e exige um método que consiga captar essas variações de milésimos de segundos.

O "super-robô" dos neurônios

Os cientistas dos grupos de pesquisa de Luke Lavis e Eric Schreiter desenvolveram a técnica avançada com tintura sintética de longa duração. A novidade é que esse material pode ser ligado especificamente a tipos diferentes de neurônios, e a tinta tem brilho de intensidade dez vezes maior do que as proteínas fluorescentes e permanência maior do brilho, enquanto as proteínas são instáveis e passageiras. Esse material é injetado na região de interesse, e conecta-se de forma específica com a membrana do neurônio.

A técnica foi batizada de "Voltron", em homenagem a um desenho dos anos 80 de super-robôs, que quando juntos formavam um robô maior e mais poderoso. A analogia é que o "Voltron" para neurônios forma uma grande cena das conexões quando cada pedaço mede uma pequena parcela da ativação.

Os microeletrodos tradicionais são posicionados na membrana da célula de modo a captar o disparo de ativação do neurônio. Uma chateação é ter múltiplos fios para medir uma rede. No caso desta tinta sintética, é possível medir toda a superfície da membrana e pela imagem acompanhar a ativação da superfície do neurônio. E de vários neurônios ao mesmo tempo!

Imagens ao vivo!

Os cientistas demonstraram que é possível usar o Voltron em diferentes aplicações. Para tal, adaptaram o método em cada situação para iluminar tipos diferentes de neurônios. Alguns exemplos interessantes que eles conseguiram:

  • No peixe paulistinha (zebrafish) os cientistas captaram em vídeo o disparo elétrico na espinha dorsal.
  • No rato foi possível mostrar a ativação do córtex cerebral quando estes eram expostos a imagens.
  • Nas moscas da fruta (drosófilas) os cientistas mostraram que a resposta a excitação de um dendrito pode ser medida com a imagem da mesma forma que os microeletrodos.

Outro ponto importante é a rapidez de resposta desta tinta sintética que permite captar a variação rápida da conversa entre neurônios. Com câmeras que captavam de 400 a 3.200 imagens por segundo, os pesquisadores conseguiram mostrar uma resposta deste método na ordem de dezenas de milissegundos!

Figura 2.Voltron revela a dinâmica neural  durante o nado de peixe paulistinha, com precisão de milissegundos. Fonte: BioRxiv.

Para onde esse conhecimento nos leva

Em resumo, essa nova ferramenta permite conhecer de forma mais ampla e quantitativa o funcionamento do neurônio e de múltiplos dele, de forma fácil, com imagens.

Um exemplo é que recentemente os cientistas descobriram como um mesmo estímulo visual pode trazer respostas distintas na mosca da fruta. A escolha do comportamento de fuga ou não do animal tinha diferentes caminhos nos neurônios. O estímulo era o mesmo – um vulto iminente – só que a resposta dela dependia se a mosca estava em voo ou não. Descobrir esses caminhos do sistema nervoso é muito importante!

Outro ponto de destaque é que alguns métodos são apenas ferramentas de conhecimento. Não se sabe ao certo onde se pode chegar com elas, ou o que será descoberto. Mas essa adição de ferramenta abre vias para novas revelações. Um grande exemplo é a matemática, em que teorias em primeira vista abstratas e sem aplicação tornaram-se ferramentas importantes para grandes descobertas como a teoria da relatividade de Einstein.

Por isso mesmo, em geral os cientistas acreditam na colaboração aberta e divulgação dos estudos. Apenas dessa forma, o método será usado pelo maior número de pesquisadores, e as descobertas são alavancadas. Com impacto maior ainda!

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.