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Para onde o mundo vai

Medicina Digital: melhores tratamentos podem vir de mais dados médicos

Mônica Matsumoto

17/01/2019 05h00

Podemos seguramente dizer que vivemos um momento sem precedentes na medicina. Há um grande volume de informações médicas em formato digital. Informações como: relato do paciente, laudo, dados demográficos, exames de laboratório, de imagem, medicações em uso, entre outros.

Todas essas informações vão para uma ficha da visita e com o passar do tempo formam um arquivo do histórico médico do paciente (chamado de prontuário eletrônico, em português, e electronic health records, em inglês).

Utilizar esses dados pode trazer novos conhecimentos e melhores tratamentos. Em grandes centros de saúde, o volume de dados possibilita investigar até evidências científicas de tratamentos e diagnóstico.

Um bom exemplo é o que a empresa Flatiron Health desenvolve em parceria com grandes hospitais e centros de pesquisa, como Abramson Cancer Center of UPenn e Yale Cancer Center.

Dado o grande volume de pacientes em oncologia destes centros, pode-se estudar tipos de tumores específicos. Informações como o perfil genético ajudam a entender a agressividade do tumor, e em conjunto com a informação da estratégia de terapia do paciente e os resultados, pode-se entender quais têm melhores resultados. Ainda, esse conhecimento em larga escala pode ajudar a propor estratégias mais personalizadas para o plano de tratamento oncológico.

Na área de diagnóstico por imagem, o uso intensivo de inteligência artificial tem trazido novos avanços. O deep learning revelou-se o novo estado da arte na classificação de imagens, especialmente as médicas. Em alguns casos, o diagnóstico é mais preciso com o algoritmo do que médicos especialistas.

Em um artigo de revisão de Litjens e outros, de 2017, os autores mostram as diversas tarefas em que a técnica de deep learning são usadas. Aplicações como detecção de nódulos, detecção de tuberculose, segmentação de órgãos, classificação de tumores, entre outros. O artigo aponta mais de 300 contribuições nos métodos de deep learning que possibilitaram adaptar a técnica aos mais variados problemas médicos. O que permite também a evolução dos resultados e maior precisão de diagnóstico pelo algoritmo.

Em 2018, excelentes resultados levaram a agência regulatória americana FDA  (U.S.A. Food and Drug Administration) a aprovar, de forma inédita, um equipamento que é capaz de detectar doença na retina associada à diabetes, sem a necessidade de validar o laudo por um médico. O equipamento faz a detecção de retinopatia diabética apenas pela imagem, de forma automática. Essa é uma ótima ferramenta de triagem e detecção precoce, especialmente à população que não faz consultas frequentes ao oftalmologista.

Neste mês de janeiro de 2019, a revista Nature Medicine tem uma edição especial sobre a medicina digital, e um artigo interessante sobre deep learning na saúde. O tema é bastante complexo, e a revista aborda ainda outras questões como a privacidade dos dados e aspectos regulatórios da era digital.

A automatização de todos os diagnósticos médicos ainda está longe de acontecer. Especialmente nos Estados Unidos, existem duas forças principais no cenário de saúde.

De um lado, existe a pressão por reduzir custos de tratamento. Com o Medicare, há uma forte pressão em se pagar apenas por exames que sejam necessários e que diminuam a longo prazo o custo total do tratamento.

De outro lado, existe a responsabilidade médica pelo tratamento do paciente, e as decisões tomadas que impactam o desfecho de saúde do paciente. Dessa forma, qualquer conduta, erro de diagnóstico ou negligência podem iniciar um processo jurídico. Assim, a automação pode até ser, em alguns casos, mais precisa que o especialista, entretanto, ainda há muita cautela na utilização destas tecnologias.

De forma geral, o avanço da digitalização da prática médica é muito positiva. Hoje, a prática da medicina é baseada em evidências e os dados reais de grandes centros podem ser usados em muitos estudos científicos. Havendo evidência, essas descobertas guiarão novas condutas médicas.

No campo do diagnóstico, os efeitos da tecnologia ainda são avaliados pelos médicos e reguladores. Um grande avanço foi a abertura pela agência reguladora FDA de um equipamento autônomo de triagem oftalmológica.

Aos poucos, a medicina digital vai ganhando espaço dentro da rotina médica. E, essa digitalização pode trazer novas oportunidades como o maior acesso da população a exames de saúde ou a redução de tempo e custo do tratamento médico.

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.