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Para onde o mundo vai

Materiais do futuro podem causar uma revolução no mundo tecnológico

Mônica Matsumoto

20/09/2018 04h00

Por: Luiz Gustavo Pimenta Martins

Você provavelmente já deve ter ouvido falar do grafeno. O grafeno é o material mais fino que existe, tendo apenas um átomo de espessura, sendo formado por átomos de carbono fortemente ligados uns aos outros. O curioso é que mesmo tendo um átomo de espessura é possível enxergá-lo a olho nu (confira a figura abaixo)! Essa é apenas uma, da longa lista de peculiaridades desse material. O grafeno já tem sido utilizado em diversas áreas como em telas touch screen flexíveis, células solares, sequenciamento de DNA, reforço em asas de avião e na dessalinização da água do mar. Ele é também o material mais forte, mais elástico, mais impermeável e o que melhor conduz calor e eletricidade. Essa última característica se deve principalmente ao fato de os elétrons no grafeno se comportarem, sob algumas condições, como se não tivessem massa, assim como os fótons – partículas elementares que compõem a luz- alcançando assim velocidades altíssimas.

Figura: Monocamada de grafeno (coloração acinzentada) sob um substrato de Teflon. Mesmo absorvendo pouca luz, cerca de 2.3%, ainda assim é possível percebê-lo pelo contraste com o substrato branco. Fonte: Luiz Martins.

Todas essas características do grafeno só podem ser explicadas por meio de uma das teorias mais bem sucedidas da história da ciência: a mecânica quântica. A mecânica quântica se propõe a explicar o comportamento do mundo diminuto dos átomos, moléculas e partículas subatômicas. E ela é a principal ferramenta que os cientistas usam para tentar entender como os elétrons e outras partículas se comportam nos materiais e assim prever quais as propriedades resultantes.

Esse entendimento é essencial para que a gente possa utilizar todas as potencialidades desses materiais, tanto para aplicações tecnológicas quanto para o avanço da fronteira do conhecimento. Por exemplo, desde sua descoberta em 2004, o grafeno tem sido cotado como possível substituto do silício na eletrônica atual. Porém existem alguns entraves para que isso aconteça, e um dos principais é o fato de o grafeno não ter "gap". O gap é uma propriedade de certos materiais, (chamados semicondutores), que nos permite ''ligar'' e ''desligar'' a condutividade elétrica desses materiais. De uma maneira simplificada, ele é a energia que se deve fornecer aos elétrons nos semicondutores para que ele passe de um estado onde corrente elétrica não flui para um estado onde corrente elétrica flui. Isso é importante para podermos criar os valores binários (0-não passa corrente e 1-passa corrente), que são a base da computação, por meio do fornecimento ou não dessa energia extra em dispositivos chamados transistores. Aí entra a pesquisa básica: fundamentando-se em mecânica quântica, cientistas vêm desenvolvendo mecanismos diferentes de se gerar e controlar o tamanho do gap no grafeno para que ele possa desenvolver todo o seu potencial na indústria eletrônica. Com isso teremos computadores mais rápidos e que consomem energia mais eficientemente.

O grafeno não é o único nessa lista de materiais exóticos, que só vem aumentando. Tomemos como exemplo os metais de transição dicalcogenados (TMDs em inglês). Esses materiais têm uma propriedade bastante interessante, mas antes de explica-la vamos relembrar o conceito de spin. O spin pode ser entendido como o sentido em que o elétron gira, (na verdade não é bem assim, mas vamos lá…). Na imensa maioria dos materiais, os elétrons têm spins aleatórios e em uma corrente elétrica não é possível selecionar elétrons de um determinado spin. No caso dos TMDs, se esses materiais forem iluminados com uma luz circularmente polarizada (em que o campo elétrico da luz gira em um sentido específico), essa luz será absorvida somente por elétrons com um determinado tipo de spin. Em outras palavras, é possível selecionar o spin do elétron apenas usando luz. Lembra do gap? Os TMDs têm gap, e usando essa luz polarizada com a energia do gap podemos gerar uma corrente elétrica, com o diferencial de os elétrons nessa corrente terem todos o mesmo spin. Tal corrente é chamada spin-polarizada, e seu potencial tem sido enormemente explorado em spintrônica, uma área que pretende usar o spin do elétron, além de sua carga, para processar informação. A ideia por trás é que, de acordo com a mecânica quântica, o spin pode estar em uma superposição de estados, e isso pode ser explorado para que a informação seja processada de uma maneira mais eficiente e segura.

Existem ainda os materiais que são previstos por teoria mas ainda não foram descobertos, como é o caso do hidrogênio metálico. O hidrogênio como conhecemos se encontra na forma gasosa, porém sob pressões altíssimas, da ordem da pressão no centro da terra (ainda sim possíveis de se atingir em laboratório!), ele é previsto a se transformar em um metal. E o mais surpreendente: um supercondutor a temperatura ambiente. Um supercondutor é um material em que os elétrons fluem sem nenhuma resistência. Mas isso geralmente requer temperaturas baixíssimas, muitas vezes próximas ao zero absoluto, com poucas aplicações práticas. Um supercondutor a temperatura ambiente iria provocar uma verdadeira revolução tecnológica, com a possibilidade de transmissão de energia praticamente sem perdas. Em janeiro de 2017, pesquisadores de Harvard dizem ter observado a sua formação, porém esse resultado foi bastante contestado na comunidade científica.

A lista de materiais "quânticos" ainda inclui os isolantes topológicos (materiais que são isolantes em seu interior e condutores na superfície), os pontos quânticos (agregados de átomos que se comportam como um só grande átomo) e por aí vai. O entendimento desses materiais e suas possíveis aplicações tecnológicas estão intimamente atrelados a mecânica quântica, e eles têm uma presença cada vez maior no nosso cotidiano.

Sobre o autor: Luiz Gustavo Pimenta Martins é doutorando no Departamento de Física do Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados Unidos. Tem graduação em Engenharia Química e mestrado em Física pela UFMG. Sua pesquisa é focada em optoeletrônica de TMDs e descoberta de novos materiais bidimensionais através de altas pressões.

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.