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Para onde o mundo vai

Faltam mulheres cientistas na Wikipédia e alguns projetos querem mudar isso

Mônica Matsumoto

30/08/2018 04h00

Wikipedia é uma plataforma colaborativa de conhecimento, como uma enciclopédia dos velhos tempos, só que constantemente atualizada, onde se encontra um pouco de tudo. O que se busca, o que se encontra e o que se escreve são amostras do coletivo e tem o viés dos olhos e dedos do público.

Em 2012, Emily Temple-Wood já era uma editora assídua da plataforma quando começou o movimento de preencher biografias de cientistas mulheres na Wikipedia. Jovem estudante, ela percebeu o desequilíbrio sistêmico de biografias de cientistas mulheres na plataforma colaborativa mais acessada no mundo, e começou o WikiProject:Women Scientists. A própria Wikipedia pesquisou o desequilíbrio e mostrou que apenas 18% das biografias com texto em inglês são sobre mulheres, e que aproximadamente 87% dos escritores de Wikipedia são homens. A fundação americana de ciência (NSF) também financiou estudos sobre esta diferença em plataformas colaborativas, e reconheceu que pontes precisam ser construídas para diminuir a disparidade.

Foto: Margaret Hamilton, cientista da computação que programou o voo do Apollo 11.

Em condições de plena representatividade, espera-se haver na plataforma uma proporção de mulheres editoras e cientistas renomadas seja parecida com o que observamos na sociedade. Ainda bem que a plataforma é democrática, no sentido que todos podem nela contribuir. Editar é fácil, gratuito e gratificante. Quando a causa engaja, editores de todos os cantos se unem para apoiar um projeto, como esse das mulheres cientistas. O movimento inspira até hoje novos editores, como Jessica Wade que se empenha em incluir uma biografia de cientista mulher por dia. Mobilizações de edit-a-thons também contribuem para adicionar massivamente entradas na Wikipedia. Nessa pegada, o projeto já conta com mais de sete mil biografias adicionadas. Emily Temple Woods juntamente com Rosie Stephenson-Goodknight, ganharam o prêmio de destaque da Wikipedia em 2016. Rosie é co-fundadora do WikiProject Women in Red. O projeto Red, que pretende tornar as "ruas sem saída" (links vermelhos) de mulheres em links azuis, relevantes e representativos do que é a participação feminina.

E no Brasil, quais são as mulheres cientistas representadas na Wikipedia? Numa busca breve e não metodológica, encontramos 47 links na categoria mulheres cientistas do Brasil.  Em listas de associações, prêmios como o Lo'real-Unesco-ABC, especialidades como computação e cardiologia, também encontramos muitas cientistas renomadas e com publicações de grande impacto. Poucas porém figuram na Wikipedia, apesar de terem reconhecido destaque profissional na área.

Foto: Johanna Döbereiner, cientista e engenheira agrônoma renomada em biologia do solo.

A questão é a falta de representação nas mídias ou a falta de mulheres que optam pela carreira na ciência? Provavelmente, ambas. Esses são assuntos delicados, a serem trazidos em futuros posts, como a escolha da carreira em ciência STEM, o teto-de-vidro e o gender gap.  Um exemplo é o caso da pioneira e cientista Marie Curie, primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel, na verdade dois (Nobel em física juntamente com seu marido e Henri Bequerel em 1903 e Nobel em química em 1911). A primeira página que Marie Curie teve na Wikipedia foi de coadjuvante, numa página conjunta com seu esposo, e só foi receber um texto próprio anos depois, quando atentaram que ela tinha grande notabilidade por si só.

Neste post, falamos sobre o desequilíbrio de mulheres cientistas elencadas na plataforma colaborativa Wikipedia. Otimistas, a revista Nature diz que nos EUA existem muitos exemplos femininos, e que é reconfortante encontrá-las nos artigos de grande impacto em todos os setores da ciência. Da mesma forma, encontrá-las na Wikipedia é uma forma de valorizar as descobertas e novas técnicas deixadas por estas cientistas. E todos nós podemos colaborar com esse movimento.  In memorium ou na ativa, muitas cientistas estão deixando suas marcas na ciência, por que não colocá-las em evidência?

Sobre os autores

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, ela tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. Monica é formada em engenharia pelo ITA e doutora em ciências pela USP, e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é Agente de Patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO) e tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de Engenheiro de Computação pelo ITA. Atualmente, ele trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é um estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, Shridhar teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Sobre o blog

Novidades da ciência e tecnologia, trazidas por brasileiros espalhados pelo mundo fazendo pesquisa de ponta. Um espaço para discussões sobre os rumos que as novas descobertas e inovações tecnológicas podem trazer para a sociedade.